Enquanto bebia um café, num intervalo entre sessões desta 17.ª edição das Correntes d’Escritas, no bar do renovado Cine-Teatro Garrett, aproximou-se da mesa uma senhora de meia-idade. Perguntou-me se podia sentar-se, assenti, agradeceu.
De cada vez que levantei os olhos do ecrã do computador, ela sorria-me, como se quisesse dizer-me alguma coisa. Depois, lá se decidiu.
– A menina não é de cá, pois não? É a primeira vez que vem às Correntes?
– Não… Já venho há alguns anos. De tal modo, que já me sinto um bocadinho de cá. E a senhora?
– Eu não sou de cá, mas sou de perto, e venho sempre, desde há 15 anos.
Fez uma pausa, hesitou, e prosseguiu.
– Sabe, eu sou uma pessoa um pouco só. Enviuvei cedo, não tenho filhos, não tenho outra família. Sou professora. Então, leio muito, preenchi a minha vida com gente de papel e é dessa forma que acabo por estar mais acompanhada, embora às vezes sinta que é um bocadinho como viver em segunda mão… Entende?
– Sim…
– E um dia, vi o anúncio deste encontro literário e resolvi vir conhecer as pessoas de carne e osso que escrevem os argumentos dessa minha vida. Desde essa primeira vez, voltei sempre. É que se tornaram a minha família, entende?
– Sim…
– Para mim, as Correntes são como uma coisa que nós cá em Portugal não temos, o dia de Acção de Graças, em que as famílias se juntam e expressam gratidão pelo que têm. Só que aqui na Póvoa, não é um dia, é uma semana de Acção de Graças. E então, vem o avô que diz um ensaio de cada vez que abre a boca e usa sempre palavras belas, vem o tio da América que conta muitas piadas, a tia que gosta muito de chuva e da Grécia e que tem um sorriso lindo, aquele casal que se conheceu e se apaixonou cá – ela, uma linda cubana, ele um espanhol cheio de charme e graça -, o primo angolano mais novo que imita como ninguém a maneira de falar do tio mais velho e inventa histórias e as conta como se fossem verdade, o primo das Caxinas, que num ano me comove e faz chorar com as suas palavras e, no seguinte, põe todos a rir às gargalhadas… e muitos outros, que não conhecia e me foram falando ao coração, ao longo destes anos.
– E tem um preferido?
– Não devia ter, mas tenho: é aquele rapaz cujos livros de prosa estão cheios de poesia. Entre as personagens, há militares que usam flores no cabelo, homens que matam por não entenderem o que é uma metáfora, netas que querem trazer Jerusalém à avó, por não poderem levá-la lá e ser o seu sonho conhecer essa cidade… Acho que ele vem amanhã  (quinta-feira). Deve ser uma pessoa maravilhosa. Só uma pessoa assim pode inventar as pessoas que ele cria. E que se tornam também as minhas pessoas… E é por isto que venho. Não a maço mais, mas gostei de falar consigo. Obrigada pela companhia.