O moderador foi oferecendo um adereço diferente a cada interveniente. Começou por premiar Filipa Melo com uma máscara branca, depois foi a vez de presentear Bruno Vieira Amaral com uma caneta gigante do Benfica. A Inês Pedrosa, Renato ofereceu um colar havaiano e terminou com “o mundo”, num globo, a Eric Nepomuceno.

Cada autor seguiu a sua linha de raciocínio, mas pode dizer-se que ninguém escreve para salvar o mundo ou ninguém consegue salvar o mundo pela escrita. Eventualmente, como referiu Eric Nepomuceno, parafraseando Tom Jobim, “escrevo para não enlouquecer, não me matar, para me salvar”.

A angolana Filipa Melo afirmou que “ler não nos torna, forçosamente, melhores pessoas”. Por outro lado, “porque carga de água imaginamos sequer que, por se ser escritor, se possui uma capacidade superior para distinguir o bem do mal?” Senão vejamos: “Leon Tolstoy, um mestre das descrições da natureza apostado na regeneração do homem e da sociedade, foi um egocêntrico snob, cruel e infantil e, durante anos, um viciado em jogo e prostitutas; Jean Jacques Rousseau, o grande revolucionário do conceito social da criança colocou um filho na ‘roda’” e há muitos outros exemplos puxados à discussão pela autora de “Este é o meu corpo”.

Bruno Vieira Amaral referiu que a salvação pela arte, a existir, “seria muito incompleta, porque na verdade não nos salvamos”. O autor, que com o seu primeiro romance, “As primeiras coisas”, arrecadou quatro importantes prémios de literatura portuguesa, lembrou uma célebre resposta de Woody Allen quando questionado se ele queria viver eternamente nas suas obras – “eu queria viver através de não morrer”.

“A escrita que a mim me interessa leva-nos a pensar nos nossos valores e na realidade, mas esse confronto não é um paraíso. Entretanto, é um paraíso descobrirmos um sentido para as coisas, para o mundo ainda provisório, pegando naquela frase do Woody Allen. Todos nós gostaríamos que aquela eternidade consistisse em não morrer…todos os paraísos estão ensombrados por essa perspetiva”, respondeu Inês Pedrosa à questão do moderador que lhe ofereceu um colar colorido – “A tua escrita pode funcionar de certa forma como uma ilha paradisíaca onde os leitores se refugiam?”

“Todos nós escritores e artistas temos esperança de que, quando formos embora, fique esse testemunho, esse traço da sua passagem e que isso possa ser um ombro, uma mão, uma presença ainda física que possa ajudar os outros a viver”, declarou ainda a autora de “Desnorte”.

Inês Pedrosa aproveitou, na sua intervenção, para ler um excerto de um livro que está a escrever, que terá por título “O processo Violeta”.

O brasileiro Nepomuceno considerou que a pergunta colocada pelo moderador – “O que é que vale a pena salvar no mundo?” – foi feita às pessoas erradas, “devia perguntar isso a Deus”!

O autor da obra “O Massacre” relatou depois uma sábia conversa com Tom Jobim, lembrando que, ainda com o atrevimento da sua juventude, disse ao seu amigo músico que quando se olha para um quadro ou se lê um livro, temos algo de concreto, mas com a música, “você mente e as pessoas acreditam”.

A resposta de Jobim foi linear: “o meu instrumento de trabalho são sete notas musicais, o seu são as 23 letras do alfabeto. Quem tem mais hipóteses de mentir?”

Foi então que o jovem escritor retorquiu – “então porque vai para o piano?” A resposta foi esta: “para não enlouquecer, para não me matar, para me salvar!”

Acompanhe o 19º Correntes d’Escritas no portal municipal e no facebook Correntes, onde pode consultar o programa completo do evento e ficar a par de todas as novidades.