Está certo que o número de lugares oferecido foi o dobro (mais de 600 cadeiras disponíveis), mas o dobro do público decidiu ouvir José Rentes de Carvalho, Andrés Neuman, Manuel Rivas, Inês Pedrosa e Onésimo Teotónio Almeida. “Não são minhas as correntes que escrevo é outro que as escreve em mim” foi o tema escolhido para esta última Mesa, moderada por Ana Sousa Dias.

José Rentes de Carvalho foi o primeiro convidado a intervir. “Porque sou avesso a minúcias, apressado por natureza e distraído, acontece-me com frequência interpretar erradamente o que leio ou o que me dizem. Sofro, também, de uma dose anormal de desconfiança, de maneira que, ao receber o tema desta Mesa, não li o que lá estava e troquei o em mim por me soar demasiado isotérico, por um desconfiado por mim”.

“Com pena de não ter uma resposta afirmativa, no meu dia-a-dia não há lugar para o sobrenatural. Apenas para muito trabalhinho, paciência e energia”, afirmou Rentes de Carvalho. Embora não disponha de um outro que em mim escreve, de forma alguma pretendo negar o fenómeno. Pode ser que um ou mais colegas de Mesa seja abençoado. E peço que ele ou ela entre no assunto de mansinho, que os anos e a pressão arterial me impedem de sentir emoções fortes”.

Inês Pedrosa começou por elogiar o trabalho da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, exemplo único no país. “Todos os anos me comovo quando vejo tanta gente na plateia e este sucesso deve-se ao empenho de uma equipa extraordinária”, sublinhou. Ainda antes de abordar o tema desta última Mesa, Inês Pedrosa louvou a escolha de homenagear Maria Teresa Horta na Revista Correntes d’Escritas.: “Muitos e muitos poetas escreveram sobre a beleza do corpo das mulheres, os seios, as ancas e outras coisas mais. Mas os homens deveriam estar agradecidos a Maria Teresa Horta, que foi a primeira mulher a escrever sobre a beleza masculina”. Segundo Inês Pedrosa, esta foi uma homenagem “mais do que justa. Maria Teresa Horta é a responsável por uma nova forma de escrita”.

“Quando eu era uma garota e trabalhava no Jornal de Letras, um escritor famoso tentou convencer-me que a boa escrita era fisicamente contagiosa. Ou seja, deixasse eu que ele se escrevesse em mim e passaria eu a escrever, não tão bem como ele, mas quase, o que para uma mulher ele já considerava muito bom. Retorqui-lhe que, mesmo que esse milagre acontecesse, eu não estaria interessada em escrever à maneira dela, mas à minha, por mais inferior que fosse. A resposta escandalizou-o. Chamou-me presunçosa. Mas, a verdade, é que não vi o milagre acontecer em outras cobaias em que o tal escritor famoso foi aplicando o seu método”. Com humor, Inês Pedrosa avisou que este escritor está vivo e que não é nenhum dos participantes nas Correntes d’Escritas.

“Diante do caixão do meu pai perguntei-me como sobrevivem as pessoas que não vivem no mundo paralelo de qualquer arte. A escrita é para mim um anestésico e um clarificador. Tudo o que no comportamento dos seres humanos me parece absurdo, grandioso, injusto, formidável de coragem ou cobardia, fica no meu cérebro até se organizar em palavras. Assim, posso dizer que são os outros que escrevem em mim”, clarificou Inês Pedrosa.

Andrés Neuman afirmou que “talvez a tarefa das palavras não seja salvar-nos de nada, mas pelo menos as palavras atraíram-me até aqui e isso é uma sorte que é preciso celebrar”.

Manuel Rivas foi um dos quinze escritores convidados pelos colegas escritores. O autor encantou o público na sua primeira intervenção.

Onésimo Teotónio de Almeida afirmou já não ter piadas novas, o que se revelaria mentira. A verdade é que o escritor é “conotado como o indivíduo que diz piadas e não gosto muito dessa conotação”. Onésimo até pode não gostar de ser conhecido por contar boas e engraçadas histórias – e não é conhecido apenas por isso, mas também por isso – mas todos aguardavam com ansiedade os únicos poucos minutos por ano que têm oportunidade de ouvir o escritor.

Sobre o tema, Onésimo Teotónio de Almeida afirmou que “o único culpado do que escrevo sou sempre eu”.

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