Carlos Quiroga foi o moderador da mesa que reuniu Isabel Rio Novo, Hugo Mezena, Miguel Real, Alberto S. Santos e Abraão Vicente.

E se para uns, de facto, “a escrita é fruto do acaso e dos entretantos” (Alberto S. Santos, para outros, o mote “não se aplica mesmo” (Miguel Real).

A primeira a intervir foi Isabel Rio Novo que optou por contar a história de “uma menina cuja infância fez dela escritora”, Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa, “que cresceu escritora aqui na Póvoa de Varzim”. E recorrendo a uma imagem parecida com as que Agustina Bessa-Luís utiliza na sua escrita, Isabel Rio Novo disse que “todas as circunstâncias lhe caíram no coração como um sino de prata que não para de tinir como se o vento o bulisse. E tudo o que viria a seguir, a adolescência com a sua melancolia funda, a entrada na idade adulta com os seus êxitos e os seus confrontos, o longo percurso de existência não faria senão confirmar este destino”.

Para Hugo Mezena, “personalidade, meios, experiências de vida contam-se entre os aspetos centrais que determinam a escrita de um autor. Junta-se, a este acaso de circunstâncias, as leituras que o autor fez, a sua perspetiva sobre o fenómeno literário e artístico, as pessoas com as quais contactou”. Hugo Mezena deu vários exemplos de autores em que as circunstâncias ditaram as suas obras.

O escritor referiu que “um fator relevante, hoje, é a ideia de originalidade, uma herança do Romantismo, e a ideia de originalidade contém em si a busca da pessoa por trás da obra, a singularidade do autor, as circunstâncias únicas que terão possibilitado o surgimento da mesma. Aquela obra só poderia ter sido criada por aquela pessoa e espera-se que a própria forma da obra, sendo original, dê garantias da singularidade de quem a criou”.

No entanto, Hugo Mezena advertiu que “um conjunto de outros fatores podem influenciar quem hoje escreve. O contexto de descontinuidade em que vivemos e a fragmentação dos diferentes níveis da existência que daí resulta, as próprias características da vida contemporânea colocam a questão da produção quando diferente do passado. O contexto mudou. As circunstâncias são apenas outras. Os resultados em consequência serão diferentes e, por vezes, inesperados, até”.

Para o escritor, atualmente a visibilidade que um livro pode ter é bem maior e “mais do que lida, a obra corre o risco de ser, acima de tudo, falada. Pode ganhar mais relevância o que se diz acerca do livro do que o livro em si, o seu interior”.

Hugo Mezena considera que “um dos fatores que tem vindo a ganhar relevância é a noção de público”, acrescentando que “a noção forte de público e a forma como o autor se relaciona com ele é, sem dúvida, uma das circunstâncias às quais à escrita hoje tem de responder”.

Miguel Real, detentor de uma vasta obra dividida entre o ensaio, a ficção e o drama, começou por afirmar que para si “escrever não é um acaso de circunstâncias”, revelando que não escreve um livro de cada vez, mas sim dois de cada vez, um romance e um ensaio”. A este propósito, o autor transmitiu que “não sei porque isto me sucedeu. Possivelmente será algum defeito genético. Não sei porque circulo entre os dois. É algo em mim totalmente natural. Faço curto-circuito no que estava a escrever e passo para o outro”.

Para o autor, “no romance há uma espécie de satisfação e sensibilidade do meu universo emotivo. Falo e rio com as personagens e até quando a personagem morre faço quase um luto da própria personagem. O ensaio corresponde mais a um certo pendor analítico que ganhamos na Faculdade”.

E, depois de revelar que demora, no mínimo, um ano e meio, a escrever um livro, disse que durante esse período “mais do que viver outros acontecimentos, vive-se para o romance e para o ensaio e explora-se o tema de uma maneira, em princípio, exaustiva”.

Miguel recorreu a exemplos da sua obra para provar que “desde o início, isto me tem acontecido”: O Último Eça – ensaio literário sobre a vida e obra de Eça de Queirós a propósito dos 100 anos do Eça e A Visão de Túndalo por Eça de Queiroz – um romance sobre livros e autores, acrescentando que “tem sido assim sucessivamente. Mudo de registo mas não mudo de tema”.

Ao contrário do seu antecessor, Alberto S. Santos começou por dizer que “o tema talvez se adapte mais à minha circunstância e talvez a minha escrita tenha sido e vai andando por aí fruto do acaso e dos entretantos”.

O autor de romances “bestsellers” confessou que “gostaria de escrever somente na minha vida mas não tive ainda essa oportunidade”, acrescentando que “tenho outras circunstâncias que carrego na minha mochila que todos os dias levo às costas e ao longo do percurso em que andei a escrever algumas histórias me vêm acompanhando”.

E a propósito das circunstâncias referiu-se ao facto de ter escrito três livros enquanto era político (Presidente da Câmara Municipal de Penafiel entre 2001 e 2013), o que aconteceu “fruto do acaso”. Depois, regressou à advocacia e, a este propósito, referiu que “a advocacia para quem escreve romances é a coisa mais terrível que há porque passamos a ter personagens reais e ficamos com essas personagens da vida na mão”. Sobre este aspeto, Alberto S. Santos disse tratar-se de uma “escravatura mental terrível”, concluindo que “escrevo no meio do acaso e dos entretantos e das circunstâncias que a vida me permite”.

Abraão Vicente, que foi o último a intervir “um pouco por medo por ser o primeiro a abordar o tema”, revelou que “estou aqui por um conjunto de circunstâncias muito felizes: primeira, porque o convite a participar no Correntes surge 20 anos depois de ter vindo a Portugal pela primeira vez para estudar na Universidade Nova de Lisboa. A segunda porque chego no momento em que a Póvoa se candidata a Cidade Criativa Literária na altura em que também assumo em Cabo Verde a Presidência da Comissão Nacional da UNESCO”.

O Ministro da Cultura de Cabo Verde explicou que vem de “um país onde as coisas acontecem muito rápido”, acrescentando que “os próprios políticos, e eu neste caso também, acreditamos e multiplicamos a narrativa que nasceu com a geração nativista. Criamos a ideia de Cabo Verde como uma terra impossível que se fez possível pela força pelos homens que, bravos, guerreiros, aprenderam a comer pedra, atravessar oceanos e serem parte de um império maior que é Portugal”.

Abraão Vicente considera-se “um escritor cabo-verdiano que conta as histórias a partir da sua realidade não negando as ligações emocionais e afetivas que temos com Portugal e com o português, mas querendo de facto contar as histórias que ainda não foram contadas em Cabo Verde”. E exemplificou-o com o seu último livro A Feiticeira de Fonti Lima, “uma incursão pelos contos infantis e pelos contos tradicionais cabo-verdianos”.

Abraão Vicente transmitiu que “na minha curta carreira de aprendiz de escritor, tenho aprendido que todas as palavras têm consequências e, como político, também tudo o que dizemos tem consequências”. Concluiu constatando que “estamos num tempo estranho em que temos muitas amarras”.

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