O certame teve início com “A Paixão Segundo S. João”, de Johann Sebastian Bach, e congregou os admiradores da música barroca e não só, cuja afluência levou a que, na Igreja Matriz, se registasse uma lotação praticamente esgotada. Foi um concerto de grande qualidade, sem desníveis, desde a solidez do Coro e Orquestra Gulbenkian, aos solistas com carreira já firmada, como Ana Quintans ou Fernando Guimarães. Michel Corboz dirigiu o conjunto com admirável sensibilidade e bom gosto. Ainda no âmbito da música barroca, o último concerto, a cargo da prestigiada orquestra Gli Incogniti dirigida pela violinista Amandine Beyer, foi preenchido com música instrumental de Corelli primorosamente interpretada.

A música antiga (Medieval e da Renascença) foi defendida pela Cappella Pratensis através do programa ‘Coimbra Connection’ dedicada à música provavelmente praticada no mosteiro de Santa Cruz daquela cidade, ao longo dos séculos XV e XVI. O agrupamento holandês confirmou as suas reais qualidades, apresentando-se bem entrosado e com notável adequação estilística. Por sua vez, o Ensemble Céladon apresentou dois programas distintos: o primeiro, dedicado à Música da Renascença Portuguesa, em que se destacou a revisitação de vilancicos, canções ou romances tão conhecidos como ‘Puestos estan frente e frente’ (descrição dramática dos últimos momentos de Dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir) ou ‘Não tragais borzeguis pretos’.  O segundo programa trouxe-nos algumas das mais significativas canções da lírica amorosa trovadoresca (da actual Provença), como a célebre ‘A chantar m’er’ da condessa Beatriz de Dia.

A venezuelana Gabriela Montero abriu a série de música de câmara com um recital dedicado, na primeira parte, a Schubert (os íntimos Improvisos op. 90) e ao virtuosístico Carnaval op. 9 de Schumann, a demonstrarem todas as potencialidades técnicas e expressivas da pianista, a dar-nos a sensação de que toca sem rede, tal a entrega permanente. Como previsto, a segunda parte foi reservada às célebres ‘improvisações’ da intérprete sobre temas sugeridos pelo público, uma delas, bem sentida, à sua Venezuela. Um dos concertos mais aguardados era o do Artemis Quartett, substituído à última hora pelo Armida Quartett, por falecimento do violetista poucos dias antes. Pois o concerto pelo jovem quarteto alemão acabaria por revelar-se como um dos mais interessantes desta edição. Um programa exigente (música de Beethoven, Shostakovich e Schubert), perfeito, imaculado. Ainda no domínio da música de câmara, destaque para a estreia de quatro obras decorrentes da 8ª edição do Concurso Internacional de Composição da Póvoa de Varzim, pela dupla André Baleiro (barítono) e João Paulo Santos (piano): ‘Three Seasons’ de Cyrill Schürch (1º Prémio), ‘Sós’ de Jacobo Gaspar Grandal (2º Prémio), ‘O milagre do elefante’ de Alberto Caparrós Álvarez (Menção Honrosa) e ‘Three Settings of Larkin’ de Vasco Mendonça, Presidente do júri.

Quanto à rúbrica ‘Jovens Intérpretes’ que o FIMPV tem por hábito incluir na sua programação, ano após ano, o recital por Ana Madalena Ribeiro (violino) e Daniel Hart revelou-se bem significativo sobre o actual nível do ensino da música em Portugal. Dois premiados no “Concurso Jovens Músicos da RTP Antena 2” da edição de 2014, ligados de algum modo à nossa Escola de Música: perfeição técnica, musicalidade e um já apreciável entrosamento. A nossa formação residente – o Quarteto Verazin – apresentou este ano música de Samuel Barber, Arvo Pärt e Maurice Ravel. O célebre Adagio do primeiro, “Fratres”, do segundo e o Quarteto em Fá maior do compositor francês mereceram fartos e justos aplausos da assistência.

Raúl da Costa foi protagonista em dois concertos, sempre integrado no trio formado pelo jovem violoncelista ucraniano Aleksey Shadrin e pelo veterano violinista (e também cineasta) Bruno Monsaingeon. Ficou-nos na memória a interpretação da Sonata op. 19 de Rachmaninov, cuja beleza e lirismo expressivo foram transmitidos com natural empatia comunicativa e à altura das exigências técnicas da partitura. Raúl da Costa prossegue o seu percurso com segurança e resultados cada vez mais convincentes. No segundo concerto, a prestação de Bruno Monsaingeon foi sobretudo dedicada a três dos seus filmes-documentários mais famosos, com o apoio do jornalista e crítico musical e de cinema Augusto Seabra. Como conversador de exceção, Monsaingeon revelou algumas das suas curiosas e instrutivas memórias sobre os distintos vultos com quem trabalhou e privou (Sviatoslav Richter, Glenn Gould e o ainda vivo Valery Sokolov).

A habitual conferência de Rui Vieira Nery acabou por ser transferida para a última semana do FIMPV. O musicólogo realçou a contribuição que a música de origem popular (ameríndia e africana) e a erudita europeia trouxe para a formação da identidade musical dos Estados Unidos, apoiado em excertos musicais e de filmes históricos.

Pela primeira vez na Póvoa de Varzim, a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música – uma das formações sinfónicas mais categorizadas –, de momento, foi dirigida pelo seu maestro titular Baldur Brönnimann com segurança, trazendo-nos música de Mendelssohn e Beethoven. Deste, ouvimos inicialmente o Concerto nº 2 em que foi solista uma autêntica revelação, o pianista russo Yury Martynov, em estreia em Portugal, cuja solidez técnica, imaginação e simpatia conquistaram o público com a maior naturalidade. O concerto acabou com uma interpretação da Sinfonia ‘Eroica’ absolutamente convincente, iluminando a sua complexa arquitectura com um afirmativo e solar discurso.

Finalmente, uma breve abordagem à récita pela soprano Raquel Camarinha, com a cumplicidade de Yoan Héreau (piano) e do encenador Aleksi Barrière. Seguramente um dos espetáculos mais conseguidos desta edição. E a aposta era bem alta: nada menos do que ‘La Voix Humaine’, «o monodrama lírico por excelência» de Jean Cocteau / Francis Poulenc. Raquel Camarinha encheu o palco, tal o sentido dramático (e lírico) que conseguiu imprimir ao texto, prendendo o público do primeiro ao último minuto. Eficaz a intervenção de Yoan Héreau ao piano. Nota alta também para o encenador Aleksi Barrière (filho da célebre compositora finlandesa Kaija Saariaho), responsável igualmente pela régie simultânea da legendagem e das imagens vídeo. Foi um espectáculo apelativo, coerente e comovedor.

O FIMPV continua a beneficiar dos apoios estruturantes da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, da Direção-Geral das Artes, do Turismo de Portugal, de diversas instituições e empresas (ao abrigo da Lei do Mecenato). 

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