Completamente lotada, como aliás tem sido tradição, a sala rejubilou com as intervenções de Ana Luísa Amaral, António Carlos Montez, Inês Pedrosa, Juan Gabriel Vásquez, Júlio de Almeida e Onésimo Teotónio de Almeida em torno do tema “Porque não há nada em vez de tudo?”.

Manuela Ribeiro, “cabeça de lista” da organização do Correntes d’Escritas, substituiu Maria do Flor Pedroso durante alguns minutos enquanto a jornalista tentava desenvencilhar-se de três engarrafamentos.

A intervenção de Ana Luísa Amaral – como, diga-se de passagem, todas as que faz – deixou a sala silenciosa. A sua voz grave e doce enquanto disse o poema que escreveu propositadamente para a ocasião teve, e terá sempre, o poder de fazer o público perder a noção do tempo.

António Carlos Montez disse ter tido conversas muito instigáveis durante o período que passou na Póvoa de Varzim durante o Encontro de Escritores, “num tempo em que vale pensar o que é a literatura e qual o seu papel”.

Dois temas marcaram não só as intervenções nas Mesas, como os encontros com os alunos, como os lançamentos de livros: Trump e as redes sociais. Também António Carlos Montez refletiu sobre “o tudo em que estamos mergulhados e que é nada. Estamos a ser toldados por um oceano de infinitos nadas. É tempo de recuperar a imaginação, a fidelidade, a amizade, a alegria”.

Inês Pedrosa questionou-se e ao público: “e se tivesse nascido com a beleza de Nicole Kidman? E se tivesse nascido homem e rico? E se fizesse algo por aqueles que sofrem ao meu lado?” Para a escritora, os portugueses têm apego ao mal-estar. “Esfolamo-nos para aumentar aquilo que temos, diz que se chama ambição”, disse Inês Pedrosa.

Reagirmos à mutilação genital feminina com a frase é a cultura daquele povo é permitir a sua continuidade. Entre o tudo, que é a vida, e o nada, que é a morte, o que podemos fazer?”

Concluindo, a escritora afirmou: “a mais perfeita das artes é aquela em que somos mais imperfeitos, o amor”.

Para Juan Gabriel Vásquez, “os romancistas têm muitos defeitos e um deles é pensarem que as coisas não existem até que sejam escritas”. O autor considera que a literatura tem a capacidade de enfrentar os factos oficiais da História: “Kafka, por exemplo, revelou-nos um lugar que desconhecíamos”.

Vindo de Angola, Júlio de Almeida começou por dizer: “boa tarde tudo o que sois vós. Daqui fala nada”. A sua intervenção contou com memórias do ambiente político vivido em Portugal durante o movimento de libertação de Angola, lembrando pessoas e factos da sua juventude.

Onésimo Teotónio de Almeida, como tem sido habitual, fez a última intervenção da tarde. O escritor açoreano confessou a sua dificuldade em “dizer alguma coisa de jeito em relação a este tema”. Entre anedotas e histórias que o público aguarda durante um ano para ouvir, Onésimo afirmou que as Correntes se fizeram do nada, lembrando que participa desde a primeira edição quando “meia dúzia de gatos pingados nos ouviam”.

Donald Trump, a sua pós-verdade e factos alternativos foram temas abordados pelo escritor na sua intervenção. “Trump mente a propósito de tudo e de nada. Para Trump, ele é tudo. Tudo o resto é nada”.

E como o humor marca invariavelmente as intervenções de Onésimo nas Correntes, fica aqui apenas uma delas: “Trump, Bush e Obama chegam ao céu. Deus pergunta a Bush: no que crês? Bush responde: numa economia livre. Deus ficou satisfeito com a resposta e disse: senta-te à minha direita. Depois, pergunta a Obama: e tu? Eu creio num mundo onde as raças não tenham importância. Deus gostou muito da resposta e disse: senta-te à minha esquerda. Finalmente, Deus pergunta a Trump: e tu? Em que crês? Donald responde: eu creio que Tu estás sentado na minha cadeira”.