Paulo José Miranda afirmou que “na música, o silêncio é música, tanto como são as notas tocadas. Mesmo que seja uma pausa, tem um sentido, é algo de concreto. Fora do mundo da música, é difícil encontrar consenso acerca do seu significado. Podem haver várias interpretações para o silêncio. Se alguém faz uma pergunta e não obtém resposta, o silêncio é mau. Por outro lado, se alguém está a contar uma história para uma plateia em silêncio, aí é bom”.

O escritor lembrou a última palavra do tema proposto: construção. “Todos os seres humanos estão em permanente construção. Se entendermos o humano como uma ponte entre Deus e a natureza, entre as coisas do mundo e as suas sombras, então podemos considerar que o silêncio é a sombra do humano. Sombra que é parte não natural de nós. O silêncio é o que nos permite ser em construção”, considerou Paulo José Miranda.

“A dieta da minha escrita é pobre em sal”, esclareceu de imediato Fausta Cardoso Pereira, que lembrou episódios da sua infância, Verões passados na aldeia onde o pai nasceu: Pailobo, no concelho de Almeida, na Beira Baixa. Apenas viviam 25 pessoas na aldeia, todos velhos, quando eu visitava a minha avó. Todos se encontravam num banco corrido, todos os dias, fizesse calor ou frio. A este banco chamavam tribunal. Se alguém falhasse era razão para uma busca domiciliária. Hoje vivem em Pailobo apenas três pessoas, a minha avó, a minha tia e um padeiro que decidiu regressar à antiga casa dos pais”.

Fausta Cardoso Pereira afirmou procurar “espaços sem distracções quando escrevo. Procuro o silêncio exterior para me concentrar em todos os sons que ocupam o meu interior: diálogos, dúvidas, memórias que, se eu ouvir com atenção, as histórias surgem. Preciso de silêncio, o que não significa que preciso estar isolada para encontrar silêncio. Por isso, não preciso de ir a Pailobo para escrever. Além do mais, o silêncio de Pailobo é triste. O silêncio é consequências dessas pessoas”.   

“Na minha cabeça não há silêncio e é por não estar em silêncio que escrevo”, concluiu.  

Para Andréa Zamorano “sem o sal os nossos corpos murchariam. Para mim, o silêncio não é sal. É flor de sal, uma raridade e quase um capricho. O meu silêncio só é obtido depois de meses em barris de carvalho, uma raridade que, quando existe, aparece em pitadas muito avarentas. Desde sempre que a minha vida é povoada pelo barulho”, explicou a escritora brasileira.

“A minha vida está cheia do barulho dos meus filhos a percorrerem a casa e que não sabem onde estão as cuecas, pelo marido que nunca sabe onde está nada, pela cadela que ladra, pelos funcionários dos meus restaurantes que me questionam a todo o momento, pelos clientes que telefonam. Se o silêncio é o sal da escrita então o meu processo é próprio para hipertensos. Não que eu prefira a vida insossa, mas todas as paixões devem ser assim: turbulentas e ruidosas”, concluiu.

Nelson Saúte considerou-se um erro de casting na escolha dos escritores que iriam argumentar sobre este tema. O escritor moçambicano começou por esclarecer que gosta de funerais e missas de 8º dia. “Nos funerais encontramos pessoas que não vemos há muito tempo, são rituais fascinantes e, sobretudo, ruidosos. Na missa de aniversário da morte do meu avô, a minha avó dançou. A primeira coisa que a família faz quando alguém morre é ir ao supermercado comprar carne, peixe, manteiga, pão, enfim, tudo o que é necessário para celebrar aquela passagem. São formas de expiar o sofrimento, que talvez não sejam compreendidas por algumas culturas, mas foi assim que eu cresci”.

“Quando recebi este tema, dei-me conta de que o silêncio é algo que não faz parte da minha vida, mesmo nos rituais mais graves como em funerais. A minha vida é feita de festa, de barulho, esclareceu o escritor.

“Não tenho experiência nenhuma para vos contar sobre o silêncio. Quando escrevo, faço-o com muito barulho. Escrever é alegria e faço-o quase a dançar”, concluiu Nelson Saúte.

João Felgar afirmou lidar muitíssimo mal com o silêncio. “Antes de começar a escrever era juiz e, como tal, fui muitas vezes confrontado com o silêncio. O silêncio dos arguidos, dos familiares, dos advogados, dos sacerdotes, dos médicos. Os códigos estão carregados de artigos que prevêm o direito ao silêncio e o juiz tem a obrigação de explicar a quem quer que se sente à sua frente que tem o direito a ele. Os juízes não devem retirar consequência nenhuma se alguém decidir não falar. Durante grande parte de um processo, o juiz é um narrador, que nunca viu nada, não esteve no local e nunca soube de nada até ao momento em que recebeu o processo. É um narrador que vai descobrir a história que vai contar através das palavras dos outros. De cada vez que surgem silêncio é como se se levantasse uma barreira entre o narrador e a história que ele está a contar. E isso gera bloqueios”.   

“A dada altura comecei a deixar de sentir simpatia por pessoas que falam pouco. Mesmo fora da minha vida profissional comecei a afastar pessoas caladas. Juízes com preconceitos é mau, mas supostamente como são clássicos e pesados… Mas um escritor com preconceitos é muito mau, por isso, tive de me confrontar com esse preconceito. E, efectivamente, o silêncio muda o rumo dos acontecimentos e, em muitos casos, determina desfechos”.