«Se há coisa que tento sempre é nunca parecer melhor do que sou», confidencia-nos Mário Zambujal, na tarde de Sexta-feira, numa sessão intitulada “Escrevo e depois”. Daí por uns minutos, um furacão enviado de Puerto Rico tomaria a palavra. Mayra Santos-Febres (senhores editores nacionais, o leitor português que assistiu ficou em pulgas para conhecer os livros desta autora) falou-nos sobre a geografia e a colonização da sua terra, as contingências do clima e outras “telurices”, acrescentando às informações um dos seus passatempos. «Colecciono maridos, vou no quarto, quando me farto digo que vou ali volto já…».

Manuel Rui adiciona ao feitiço colectivo uma reflexão, como «o antes do livro é já uma insatisfação com as palavras», e um contributo de Álvaro Magalhães só vem reforçar a incapacidade de substituir pela metáfora outra técnica qualquer a essência geradora que está na génese todos os escritos, porque «trocar a vida pelas palavras que a descrevem é uma tormenta»

Na mesma noite, sob o lema “o escritor mente, o leitor acredita”, Álvaro Laborinho Lúcio convoca a figura de Pinóquio, «um boneco com um defeito moral, a quem o autor teve a genial ideia de acrescentar a consciência ética». Magnífica síntese.

Mário de Carvalho fala sobre a reunião que se dá neste teatro, no centro da Póvoa, para escutar «palavras aladas». As Correntes D’Escritas fazem-se desta comunhão, entre seres reais e outros ainda mais, mas habitantes das páginas que foram, serão, ou nunca serão escritas. Ana Luísa Amaral recorda uma frase que escutou a Maria Velho da Costa, durante a criação do seu livro Mayra: «Estão a chegar-me, as personagens».

Mário Zambujal tinha dito que «o autor pode mudar, mas a obra fica, está registada». Sabes, Mário, em certa medida, a obra também muda, da mesma forma que o leitor. O olhar assim o condiciona, na tal conjugação entre amador e coisa amada…

As Correntes D’ Escritas terminam hoje, dia 27. Logo à tarde é a última mesa. Na sessão da manhã, Vergílio Alberto Vieira explana preocupações com a forma como o livro está a ser encarado e tratado por algumas instâncias. O consumidor fogo serve de ilustração, em três dimensões, em palco. Um ápice pode mudar o mundo de cada um. E muda. Uma edição de Pascoaes encontrada nas ruas de Lisboa atesta a vagabundagem das ideias, das palavras, das emoções que lhes deram origem. Mesmo sem o saberem.