E assim José
Luandino Vieira resumiu a forma como encara a escrita, ontem, no Diana Bar, na
apresentação da sua mais recente obra O
Livro dos Guerrilheiros
. “Em vós vejo os pouco mas fiéis leitores que tenho
em Portugal”, disse, dirigindo-se à assistência. “Fiquei longos anos em
silêncio, desmerecendo os leitores que tenho. Agradeço a todos os que ao longo
destes anos se mantiveram com paciência e coragem para ler o pouco que fui
escrevendo este tempo todo”.

Silêncio que foi
quebrado na Póvoa de Varzim. “Andei décadas a esquivar-me desse momento e foi
aqui, no Correntes d’Escritas, que voltei às publicações do que já tinha feito
e encarei de uma forma mais séria o meu dever”, explicou. E agora surge O Livro dos Guerrilheiros, segunda obra
de uma trilogia, De Rios Velhos e
Guerrilheiros
, iniciada com O Livro
dos Rios
.

“Parte mal
disfarçada de um romance que tive preguiça de terminar”, O Livro dos Guerrilheiros é um conjunto de narrativas acerca de
sete guerrilheiros que compõem uma coluna, em plena guerra pela independência
de Angola. “Escrevi este livro para fazer justiça aos guerrilheiros angolanos,
não aos heróis. É para fazer justiça aos jovens, às mulheres, às crianças, que
foram apanhados no vórtice da guerra e deram tudo o que tinham, inclusive a
vida”, defendeu. “Não é que eles tivessem sido esquecidos, até porque não
fizeram o que fizeram para serem lembrados. São os valores que estão esquecidos”,
explicou o autor para quem é impossível escrever “sem que me doa. Quando me
começa a doer, começo a escrever”.

luandino vieira diana

Inspirando-se em
Almeida Garrett, para descrever a riqueza das paisagens africanas, Luandino
Vieira foi também buscar ensinamentos a Fernão Lopes – “ensinou-me como contar
a história através de pequenas histórias. E como se contam histórias? É ir
entortando a história de maneira a que, não deixando de ser história, passe a ser histórias”. 

Agora, Luandino
Vieira prepara-se para fazer justiça à mulher angolana, nunca retratada na
literatura, no terceiro livro da trilogia que, avançou, se irá chamar Ela e os Velhos.

Ao lado de Luandino
Vieira, Zeferino Coelho, da editora Caminho, explicou que a sua relação com o
escritor teve, na Póvoa de Varzim, “um nó decisivo” porque foi durante o
Correntes d’Escritas que o editor “namorou” o escritor para que publicasse pela
Caminho. Até que, numa edição do Encontro de Escritores de Expressão Ibérica,
Luandino Vieira entregou um conjunto de papéis a Zeferino Coelho para que
lesse. “Era Nosso Musseque”,
desvendou o editor e, numa altura em que até a literatura começa a ser instantânea, “este homem tem
este livro extraordinário, assim”.

Esta relação com o
Correntes d’Escritas não foi esquecida por Luís Diamantino, Vereador do Pelouro
da Cultura. “É um prazer estar com um escritor que também aqui está como um
amigo da Póvoa”, avançou, partilhando com a assistência as sensações que o
invadiram com a leitura de O Livro dos
Guerrilheiros
. “Provocou-me uma sensação contínua de dor. Recebi alguns
murros a ler, e quando me levantava, parecia que caía outra vez. Foi um diálogo
difícil com a narrativa, mas é uma narrativa muito forte”, descreveu.