No dia em que passaram 126 anos desde a grande tragédia de 1892, que vitimou 105 pescadores, a maior parte dos quais da Póvoa de Varzim, realizou-se, ao final da tarde de ontem, o lançamento de uma edição comemorativa de Os Pescadores de Raul Brandão, no Salão Nobre dos Paços do Concelho.
A obra foi publicada pela Opera Omnia, com o patrocínio da Câmara Municipal e conta com introdução de Maria João Reynaud, professora jubilada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e prefácio de Luís Diamantino, Vice-Presidente e Vereador da Cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.
Luís Diamantino transmitiu que a reedição deste livro foi “uma forma de lembrarmos aquilo que passaram os nossos antepassados” pois “a melhor forma de conhecermos o nosso passado é lermos ou ouvirmos a nossa história”.
O Vice-Presidente referiu que n’Os Pescadores, “numa viagem por toda a costa continental, Brandão adverte logo que, nestes contactos com os aglomerados costeiros, só lhe interessa a vida de “pescadores e marítimos”.
E no que à Póvoa diz respeito, Luís Diamantino realçou o realismo da descrição do homem e mulher poveiros: “ainda hoje, vivemos numa sociedade matriarcal. O poveiro sente-se bem em mar. É quase um homem do mar que vive no mar e com o mar. É um homem que só com a morte quase certa é que não vai ao mar. Todos eles vivem no mar e morrem no mar”.
O Vereador destacou outro aspeto que Raul Brandão descreve acerca dos pescadores: “dormiam no rio cobertos com a vela, e primeiro que pregassem olho era um falatório que se ouvia em toda à vila”, uma caraterística que ainda hoje se verifica: “gostamos de estar à conversa. Tem a ver com a nossa forma cosmopolita de estar na vida e de receber as pessoas na nossa cidade”. Revelou ainda, a este propósito que, atualmente, os tripulantes da Lancha Poveira fazem questão de dormir na Lancha cobertos com a vela.
O autor do prefácio salientou ainda que “o poveiro ignora tudo fora da sua profissão, mas essa conhece-a como nenhum outro pescador” pois considera que “ainda hoje estes homens sabem do que estão a falar quando se referem à pesca e ao mar. Eles conhecem os mares poveiros”.
Maria João Reynaud referiu que “esta edição comemorativa realizada a partir da primeira edição de 1923 é também uma homenagem ao seu autor, Raul Brandão, neto de pescadores e nascido a 12 de março de 1867, na Foz do Douro, há quase 151 anos. Os Pescadores é uma homenagem ao seu avô materno morto no mar e uma epopeia dos humildes lavradores do mar. Com a publicação desta obra, Raul Brandão é colocado num lugar cimeiro da literatura portuguesa do século XX. Foi o sucesso obtido com Os Pecadores que levou ao reconhecimento tardio e consensual de um talento ímpar que faz dele um dos melhores escritores portugueses não cientistas. A inflexão poética da sua escrita, o intenso visualismo que lhe percorre ou não fosse também ele um pintor amador, o domínio de uma técnica próxima do impressionismo pictórico, o esplendor da língua portuguesa aqui atinge são elementos que ajudam a explicar tal sucesso”.
Para a professora jubilada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, “a alegria com que Brandão se detém a fixar «a paisagem e a luz» é ensombrada pela descrição da tragédia dos naufrágios costeiros ou da crueza da pesca do atum. É esta tela viva onde o rigor etnográfico se combina com o esplendor da escrita que faz de Raul Brandão um escritor enorme de hoje e de sempre”.
O editor, José Manuel Costa, confessou que quando a Opera Omnia encetou a tarefa de reeditar obras de Raul Brandão, havia algum receio em relação à receção que o público atual teria deste autor. No entanto, “para nossa felicidade, a receção crítica e do público destes livros tem sido espantosa”.