Com a Póvoa e com o seu bem conhecido festival de música, que este ano entra na 32ª edição, Rui Vieira Nery, reconhecido “cidadão poveiro”, estabeleceu uma forte e duradoura relação de amizade. O próprio reconheceu que assim é, antes de iniciar a sua conferência de sexta-feira, no Auditório Municipal, dizendo que “é sempre bom voltar à Póvoa, ser acolhido pelos amigos” e que se sente muito bem quando pode dizer “vou à terra!”. Rui Nery foi ainda agraciado com uma peça de artesanato que reproduz a igreja de S. Pedro de Rates.

Depois de um momento musical proporcionado pelo Quarteto Verazim, Rui Vieira Nery subiu ao palco para dar início à sua conferência. E porque este ano o país comemora 100 anos da Implantação da República, o tema da conferência de abertura foi “As Músicas da República”, na qual o musicólogo falou sobre a transição para o Modernismo musical, da década final do século XIX à primeira do XX, da vida musical na I República, propriamente dita, e da transição para a estética do Estado Novo, no início dos anos 30.

E como não poderia deixar de ser, logo se ouve a primeira gravação em disco feita de “A Portuguesa”, em 1912, que vem mais tarde a transformar-se num verdadeiro hino republicano. Seguiram-se músicas da república, vanguardistas, de elite, mas com sabor tradicional português, nostálgico, de pátria e tradição, nomeadamente de Alfredo Keil, José Viana da Mota, Francisco Lacerda e Luís Freitas Branco.

Rui Nery partilhou músicas que reflectiam a “paisagem sonora da República” ou se quizermos a “banda sonora do filme da República”, onde a música popular esteve também presente, e reflectia a situação política, os sinais de descontentamento face às promessas da República por parte de uma população urbana muito pobre que canta de forma massiva. Ouve-se, entre outros, o “Fado do 31”, o “Fado do Zé Povo”, músicas que fizeram história e continuam a fazer parte do imaginário musical de muita gente, música popular urbana com a penetração que criou uma memória colectiva.

Rui Nery partilhou a história musical de um ciclo, de um processo de mudança, e também da utopia do século XIX, que acredita numa sociedade melhorada de justiça social, num regime que assente nos valores da igualdade, liberdade e fraternidade, expressos numa cultura com várias franjas que se interligam, e cultura essa, que por sua vez se expressa através da música.