Gaspar Martins Pereira esteve ontem à noite no Arquivo Municipal, convidado a abordar o tema “República e poder local”.
Segundo
o professor “nem sempre os ideais correspondem às realizações e, como sabemos,
o projecto republicano falhou a reforma da administração pública”. Quando os
republicanos conquistaram o poder “chegaram com promessas de sufrágio
universal, descentralização, autonomia dos poderes autárquicos e maior
participação cívica. Durante a Monarquia as autarquias tinham poderes muito
limitados e os republicanos prometiam alterar esta situação”.

Gaspar
Martins Pereira mencionou, ainda, José Félix Henriques Nogueira, mentor do
ideal republicano que sonhava com um “governo do Estado feito pelo povo e para
o povo”. Jornalista, escritor e político, Henriques Nogueira nasceu em 1825, em
Torres Vedras, e morreu com apenas 33 anos. Autor de Estudos sobre a Reforma em Portugal, foi um dos impulsionadores do
Republicanismo em Portugal, defendendo o municipalismo, o federalismo e o
associativismo. Em 1851, afirmava: “o centralismo, à força de tudo querer
administrar, nada administra”. O político propunha a divisão do país em 66
grandes municípios, projecto que nunca viria a concretizar-se.

Após a
Implantação da República, José Jacinto Nunes chefia a Comissão incumbida de
realizar o Código Administrativo. A promessa era antiga quando em 1910 os
republicanos depõem a monarquia. Já em 1891, ano em que se dá a revolta do 31
de Janeiro no Porto, o advogado José Jacinto Nunes havia apresentado, em nome
do Partido Republicano, um projecto de Código Administrativo onde se prometia
uma maior descentralização e maior autonomia dos poderes autárquicos. “O
continente da República portuguesa divide-se em províncias, as províncias em
municípios e estes em freguesias”, dizia, no seu artigo 1º, o projecto de
Jacinto Nunes. Desapareciam nesta proposta os distritos. Como disse Gaspar
Martins Pereira, “o projecto republicano de Código Administrativo apontava
no sentido de uma regionalização do país”, mas “instaurada a
República, o projecto de Código Administrativo, elaborado por uma comissão
governamental presidida pelo mesmo Jacinto Nunes e apresentado à Câmara dos
Deputados e ao Senado, em 1913 e 1914, seria bastante mais recuado”.
Gaspar Martins Pereira cita o investigador César Oliveira para classificar a
solução encontrada pela Primeira República de “centralismo administrativo
‘mitigado’, defensor, no plano ideológico, da descentralização ‘municipalista’,
com base no ideário republicano original mas mantendo, no plano prático, a
supremacia do poder central” e “continuando à frente dos distritos
magistrados políticos da confiança dos governos”. Contrariando o que
defendera antes, Jacinto Nunes propôs um projecto que regressava à divisão
herdada da Monarquia: distritos, concelhos e freguesias.
O país ficaria,
então, assim dividido: Minho (Braga e Viana do Castelo), Trás-os Montes
(Bragança e Vila Real), Douro (Porto e Aveiro), Beira Alta (Guarda e Viseu),
Beira Baixa (Coimbra, Castelo Branco e Coimbra), Estremadura (Leiria, Lisboa,
Santarém), Alentejo (Évora, Beja e Portalegre) e Algarve (Faro).

O sonho
federalista estava terminado. Os deputados não cumpriam o seu próprio programa.
Teófilo Braga foi uma das pessoas que assumiu que o país não estava preparado
para uma revolução deste género e, assim, os ideais regionalistas foram
abafados pelo estado Unitário. Nesta altura, a vozes incómodas, como Alves da
Veiga, foram atribuídos cargos fora do país, “em locais dourados”, segundo
Martins Pereira. Os republicanos tinham medo do país que tinham, inculto, um
discurso muito diferente dos tempos em que pregavam a República.

Gaspar
Martins Pereira explicou, ainda, que “em Lisboa e no Porto, municípios mas
fortes financeiramente e onde estavam as elites republicanas, sentiu-se alguma
diferença com a Implantação da República, mas, nas autarquias mais pequenas a
diferença não foi notória. Tudo continuou da mesma forma”.

Com a
chegada de Sidónio Pais ao poder as vereações que não lhe agradavam acabam. Os
vereadores eram presos apenas por terem sido eleitos e, apenas, com o
assassinato de Sidónio Pais os republicanos voltam ao poder.

Com o
regresso dos militares “desempregados” vindos da Primeira Grande Guerra, a
Primeira República cai sem nunca ter realizado nenhuma reforma a nível
administrativo.

Depois
de Gaspar Martins Pereira ter estado na Póvoa de Varzim, António Maranhão
Peixoto, Chefe da Divisão do Arquivo de Viana do Castelo, será o convidado para
a próxima conferência sobre a República no Arquivo Municipal (4 de Novembro, às
21h30).