Póvoa de Varzim, 21.03.2013 - “Vícios privados, públicas virtudes” deu mote a uma conversa conduzida por Rui Bianchi, ontem à tarde, no Arquivo Municipal.
O arquiteto falou sobre comportamentos das
pessoas e famílias dentro das suas habitações, em Roma, transmitindo que muito
do que somos atualmente e da forma como vivemos é fruto de um percurso que se
foi fazendo e resulta de adaptações de rituais do passado.
Rui Bianchi recuou ao Império Romano para demonstrar
que há uma réplica de acontecimentos que varia muito pouco ao longo dos tempos
e encontra justificação na antiguidade, embora se vá diluindo. A título de
exemplo falou da posição da cama, com a cabeceira junto à parede, atitude
congénita com o espaço de falsa proteção e vulnerabilidade encarando a parede
como resguardo. E quanto ao posicionamento no topo da mesa, também pode ser
encarado como afirmação e manifestação do poder, metaforizando o trono ou
altar.
O arquiteto referiu-se à organização da cidade e da
sociedade, explicando que a estrutura da casa romana refletia a estrutura da
família. Na casa habitam, geralmente, o pai de família, sua mulher casada em
justas bodas, dois ou três filhos(as), os escravos domésticos ou escravos agora
libertos, a que devemos acrescentar algumas dezenas de homens livres: fiéis ou
“clientes”. Na alcova, cubiculae, a
dama dorme sozinha, mas não longe da cama tem uma ou várias escravas. Em geral,
os escravos dormem diante da porta dos senhores, montando guarda.
As casas tinham poucas vidraças, as janelas eram
fechadas com venezianas frequentemente articuladas ou com elementos vazados de
pedra ou terracota. Era normal sentirem frio ou encerrarem-se na obscuridade,
sem conforto. Vivia-se agasalhado na rua ou em casa e ia-se para a cama inteiramente
vestido.
As habitações tinham pouco mobiliário, não existindo
mobiliários complexos como atualmente. Era composto por alguns leitos para
dormir ou fazer as refeições, mesinhas redondas de três pés, alguns armários,
cadeiras e prateleiras (de madeira, pedra, mármore ou bronze).
As casas tinham mais espaços vazios do que cheios: uma
fileira de salas não fechadas, mas de espaços. Ao redor, dispõem-se quatros
pequenos. O espaço inútil constituía um luxo. A arquitetura soube juntar a
amplidão do conjunto com a possibilidade de recolhimento nos pequenos quartos
sem recorrer a uma rede de corredores estreitos.
Seja casa rica ou não, uma decoração de cores vivas
recobre os pisos, as paredes e os tetos com mosaicos, estuques e pinturas
decorativas, ou seja a casa era profundamente colorida com ornamentação
clássica ostentando valores de riqueza e fortuna.
O banquete constituía uma arte. A etiqueta parece ter
sido menos elaborada e rigorosa do que a nossa. Em compensação, jantava-se com
clientes e amigos de toda a posição, tanto que a ordem de precedência era
rigorosamente observada na distribuição dos leitos ao redor da mesa, onde
ficavam os pratos, refletindo-se a hierarquia social em torno da mesa. Não
havia verdadeiro festim sem leito, mesmo entre os pobres.
Rui Bianchi revelou ainda
que, nesta altura, não existia águia corrente em casa, exceto para raríssimos
privilegiados. As termas eram um dos prazeres dos cidadãos de Roma. O banho não
era uma prática de higiene, mas sim um prazer complexo. Os pensadores e
cristãos recusavam tal prazer: não tinham a fraqueza de ser limpos.