E ouvir Rui Vieira Nery é sempre um privilégio porque este consegue, de forma simples, abordar algo tão complexo e vasto como é a História da Música e fazer-nos perceber como se entrecruzam os vários estilos e movimentos, como se influenciam entre si e como a música se interliga e integra no quadro mais vasto da História da Humanidade.

Com a Póvoa e com o seu bem conhecido festival de música, que este ano entra na sua 29ª edição, Rui Vieira Nery estabeleceu uma forte e duradoura relação de amizade. O próprio reconheceu que assim é, antes de iniciar a sua conferência de sexta-feira, no Auditório Municipal, e o Presidente da Câmara, presente na ocasião, fez questão de o reconhecer mais uma vez publicamente, agraciando o musicólogo com uma magnífica lancha poveira em prata. “A quarta lancha de prata a ser oferecida desde que estou à frente da Câmara Municipal”, referiu José Macedo Vieira, que recordou que as três anteriores tinham sido entregues a Fernando Gomes, quando era Ministro da Administração Interna e por ocasião da assinatura do contrato de permuta da utilização da Fortaleza e da construção de um novo quartel da GNR; ao antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, na sua visita à Póvoa, e ao Papa João Paulo II, em Roma, por ocasião da cerimónia de beatificação da irmã Alexandrina, em Roma. Com a entrega da lancha decidiu Macedo Vieira distinguir Nery pelo apoio que, quando era secretário de Estado da Cultura, este deu ao Festival Internacional de Música e que se traduz no apoio monetário que ainda hoje, anualmente, o ministério atribui a este evento, e pela relação que, desde então, já lá vão 12 anos, Rui Vieira Nery estabeleceu com a Póvoa, nunca recusando proferir a sua conferência na abertura do festival.

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E para esta edição, o musicólogo trouxe as influências dos modelos italianos na música portuguesa dos séculos XVII-XVIII. Influências consubstanciadas no compositor Domenico Scarlatti, que o rei D. João V trouxe para a corte portuguesa e que aqui terá composto e interpretado centenas de peças, infelizmente, quase todas perdidas no terramoto de Lisboa, em 1755. Através da figura de Scarlatti, defendeu Nery a sua tese de que, apesar das influências que este terá tido na forma de compor em Portugal, os compositores nacionais não se terão limitado a reproduzir os modelos do virtuoso italiano. Recorrendo a exemplos práticos, com os vários cds que trouxe para a conferência e tocou para o público presente, Rui Vieira Nery ilustrou a música que se compunha e ouvia em Portugal, na época de Scarlatti, e as alterações que foram sendo introduzidas em Portugal pelos próprios autores portugueses, muitos dos quais tinham ido estudar para o estrangeiro, mandados pelo próprio monarca, e entre os quais se destaca Carlos Seixas. Scarlatti e Seixas conheceram-se e deixam bem patente na obra de ambos que, se o mestre Scarlatti tinha influenciado de forma marcante os compositores da sua geração, também não tinha ficado imune às influências de outros autores, como foi o caso do próprio Carlos Seixas. No fundo, o que os dois compositores ilustram, e o que constituiu o cerne da conferência de Nery, é que a música, como as outras artes, é o resultado de um diálogo permanente de influências, texto e intertextualidade.

“Domenico Scarlatti e a chegada dos modelos barrocos italianos a Portugal” foi o tema da conferência de Rui Vieira Nery na abertura do XXIX Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, no dia 6. O Festival prossegue com um aliciante programa de concertos até ao dia 28 deste mês.