Aurelino Costa, Carlos do Carmo, Juan Carlos Mestre, Manuel Rui e Manuela Azevedo, “várias gerações de Palavra e de Voz”, como tão bem sintetizou Ana Paula Tavares, moderadora do debate, reuniram-se perante uma plateia completa no Auditório Municipal.

Aurelino Costa focou os problemas da linguagem e da sua percepção. Definiu como o mais importante “o modo como se diz”, porque muitas vezes interpreta-se “não o que o outro diz, mas o que está por detrás do que o outro está a dizer”. E afirmou ainda não se poder dar palavra à voz, porque “a voz existe independentemente da palavra”. “O que se faz é uma incisão na voz de maneira que a voz desaparece e fica apenas a voz dita.”

Carlos do Carmo foi buscar memórias da sua vida, afirmando que “desde criança que aprecio a voz no canto, aprecio a voz de quem sabe dizer poesia”. Tendo como referências, ao longo da vida, João Villaret, Frank Sinatra (que às letras inócuas soube dar expressão), Jaques Brel, Chico Buarque de Holanda, Zeca Afonso ou Ary dos Santos (que apesar não acertar nas notas musicais escrevia “coisas maravilhosas”), Carlos do Carmo identificou neles a capacidade de “fazerem da canção um acto inteligente, de reflexão, de divertimento”. E terminou advertindo a nova geração de fadistas: “os poetas estão cá, é preciso dialogar com eles, pois se o fizerem, o Fado só pode ser valorizado”.

“Há palavras que são como taxistas, vão para onde queremos ir”, pode-se ouvir de Juan Carlos Mestre, que na Palavra vê um acto natural, que vem desde os primórdios, e na voz várias facetas: a voz como afirmação de conduta; como partida; como resistência; a voz comum, para anónimos; a voz do remorso; a voz débil; a voz dos que mandam e a voz dos sem dono, entre outras.

Manuel Rui concorda também que a voz assume referências diversas de metáfora. Fazendo a ponte com a música, falou de palavras que são pedidas por uma melodia, do direito da palavra à voz, da “palavra que a antecipa e está preparado para uma voz”. Já Manuela Azevedo chegou à conclusão que “uma das evidências é que realmente a Palavra surge a partir da voz”, dando como exemplo as crianças que aprendem a falar por repetição ou através de uma faceta mais mágica, como a dos contos, das lenga-lendas e das cantigas. E lançou a pergunta: devemos dar voz a todas as palavras? “Apesar de haver palavras que não deviam ser ditas, há outras que ainda bem que são escritas, porque vale mais lê-las do que ouvi-las”. A sua dedicação à música fê-la ainda chegar a outra conclusão importante, a de que “há que encontrar na voz o tom certo da palavra, a emoção adequada”.

O Correntes d’Escritas continua até 16 de Fevereiro. Até lá, estão ainda programadas mais oito mesas de debate que prometem lançar importantes temas a discussão.