Afonso Cruz, Carlos Morais José, Francisco Conduto de Pina, Marta Bernardes e Mbate Pedro, com moderação de João Gobern, discutiram como “de um jogo frágil de palavras se faz a literatura”.

O moderador fez uma breve introdução ao tema e falou como as palavras “ultrapassam a dimensão literária e entram nas nossas vidas”. De seguida, João Gobern apresentou o primeiro escritor, começando por “África, onde se costuma dizer que começou tudo”.

Francisco Conduto de Pina agradeceu o convite da organização para estar presente no evento e considerou o tema “muito interessante”, pois a “fragilidade existe em tudo” e tudo o que é frágil “precisa de cuidado”.

O escritor guineense entende que “as palavras levam-nos a viagens inesperadas, pois são o alimento e a cor da alma”, pelo que a palavra literatura só podia ser “feminina”, por ter “a força de uma mulher quando para e a beleza de uma mulher quando se insinua.”

Este jogo com as palavras é, segundo o autor, como “se faz literatura” e como se joga “com os mais profundos sentimentos dos leitores”. “As palavras refletem a beleza e a cor espalhadas pelo mundo. O jogo é frágil, mas as palavras são fortes. E neste jogo todos são ganhadores. Ganha a palavra, ganha o escritor, ganha o leitor, ganha a literatura e ganha o Correntes”, concluiu.

De seguida, Carlos Morais José tomou a palavra, considerando que “as palavras nos usam para sobreviver. Tudo depende do jogo, pois como nós, elas só adquirem valor com um contexto.”

O escritor lisboeta, radicado em Macau revelou sentir “uma honra que alguns talvez não compreendam” por ser o primeiro representante de Macau no Correntes d´Escritas, brincando com a situação ao considerar que o evento “finalmente atingiu a maioridade”: “Macau é muito longe, mas existe uma literatura escrita em português desde meados do século XVI. É um lugar singular na literatura portuguesa.”

“Montadas nas línguas, as palavras viajam. São um ruido contínuo que urge traduzir e compreender. A língua não é pátria, mas condição de sobrevivência do sujeito e espaço de liberdade”, asseverou.

Em jeito de conclusão, o autor levantou o véu do seu novo livro, que conta a história do personagem que se cruza com Camões e lhe rouba um manuscrito. Carlos Morais José sempre se intrigou sobre os motivos que levaram a esse ato e ficcionou um personagem, “mergulhando numa alma negra, horrível”, que retratasse a inveja, um “sentimento muito importante no século XXI, um século de narcisismos.” O personagem rouba o manuscrito, esquece tudo o que sabe, fica obcecado pela obra e queima o livro, atitude que tem resultado inverso ao pretendido, pois “ele torna-se o livro e perde-se na força das suas palavras”.

Marta Bernardes lembrou uma frase do seu pai que costumava dizer que “divagar se vai ao longe”, pedindo de seguida perdão à plateia pois iria divagar um pouco sobre o tema.

A autora optou por fazer ela própria um jogo de palavras e, munida de um apito, iniciou um divertido jogo de palavras, onde tratou os temas da pobreza, geometria, cortinas de fumo e elaborou um projeto de tese, que consistia em ser “uma leitora exímia”: “Vou fazer-me uma leitora. Ler tudo o que é obra e assim serei a mais notável leitora. Até à certificação do átomo e da partícula e até ao esgotamento da diferença.”

A verdadeira inteligência, Marta Bernardes avalia ser é a “capacidade de ficar perplexo”, sendo a literatura, “o lugar onde se encerra o impossível”.

Mbate Pedro, numa nota prévia à sua apresentação, fez questão de parabenizar o vencedor do Prémio Correntes d´Escritas, Armando Silva Carvalho. Relativamente ao tema da Mesa 9, o autor entende que a literatura “é a arte da palavra e dos silêncios”.

“A escrita é o lugar onde abraçamos a solidão e o silêncio. As palavras que merecem existir são as que provam ser melhores que o silêncio”, pensa o escritor moçambicano, que vê em cada um de nós o “hóspede da palavra”.

Em suma, Mbate Pedro afirmou que “todos os livros são um falhanço. É o leitor que lhes dá vida a partir das palavras. Sem o leitor não passam de símbolos mortos.”

O último escritor a tomar a palavra foi Afonso Cruz, realçando que este tema era “uma boa oportunidade para falar da palavra escrita e das suas fragilidades, brechas e falhas”.

“Sócrates, que nunca escreveu nada na vida, defendia as vantagens da oralidade e certo dia fê-lo com recurso a um mito egípcio. Em defesa da escrita, o Deus que a inventou referiu-se a ela como um remédio que faria o homem ampliar a sua memória com a escrita. Mas a palavra cura também significava veneno, podendo esta ser vista como um apoio do homem que o faria perder a memória”, esclareceu o autor.

Abordando a importância do beijo para a comunicação, Afonso Cruz entende ser “completamente diferente ouvir uma história da voz de quem nos ama. A partir do momento em que vamos aproximando as bocas, a palavra vai-se tornando mais confidente, até ao momento do beijo. A boca é o instrumento de adoração e aproximação. Entre a oralidade e as histórias, a partilha não deixa de ser uma forma de nos beijarmos”, concluiu.

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