O escritor angolano Hélder Simbad fazia parte dos convidados desta edição e seria um dos participantes da mesa 5. No entanto, por “razões burocráticas não conseguiu chegar aqui”. Foi Lopito Feijóo quem explicou a sua ausência e leu a sua comunicação a propósito do tema “O que escrevo atormenta o que sou”: “As palavras envergonhar-se-iam do corpo que as escreve. Seria, provavelmente a maior ironia do mundo dos homens. Um ser nunca é digno de ser maior do que as suas palavras. O que escrevemos é sempre maior do que nós. O que tendemos a ser é o que a realidade nos pede. Ser é apenas uma prerrogativa dos deuses e alguns homens são geralmente incompreendidos. Somos tão pequenos ante o que escrevemos e só por isso o que se escreve nos atormenta porque, por vezes, se escreve mesmo”.

Segundo Hélder Simbad, “o que escrevo é um corpo prostituído ou o meu próprio país despido. Escrevo o avesso das coisas e descubro que não sou. Isto me atormenta porque me abre a realidade objetiva e descubro-me no que escrevo, escrevendo o meu país e as realidades paralelas”.

O escritor angolano considera que “a palavra é uma força oculta que se move secretamente” e concluiu: “o que sou pouco importa, o mais importante é o que escrevo. O que escrevo é o que é e eu posso não ser o que julgam. Isto é, de facto, o que me atormenta”.

Sandro William Junqueira optou por contar episódios de vida de diferentes personalidades, nomeadamente, Mark King, Paul Thomas Anderson, Billy Collins. E depois de ler um poema deste último, contou que “foi também numa noite de um dia 26 que um grande amigo meu desapareceu para sempre. E sempre que regresso a este poema “Horóscopo para os Mortos” emociono-me porque me lembro de imediato do Rui e porque o que gostava mesmo era ter sido eu a escrevê-lo mas falta-me obviamente o talento, o rasgo. Não é poeta quem decide querer, é preciso antes sê-lo”.

O autor revelou que “não sei se existe uma clara diferença entre o escritor que tento ser e aquilo que sou, se respondo com a escrita aos socos que a realidade me dá, se as dores de que padeço durante o processo de escrita não perpassam também elas a fronteira entre ficção/ realidade para se infiltrarem e contaminarem a minha vida e como, e porquê insistir escrever depois de tudo o que já foi escrito. Talvez este seja o tormento maior”.

Tempo, medo e aceitação foram as premissas da intervenção de João Tordo que partilhou com o público as histórias que escreveu (e ilustrou) com sete anos para demonstrar “como começou em mim a literatura”. Os três exemplos que mostrou definiu como “a génese daquilo que mais tarde se convencionou chamar literatura”, acrescentando que “o escritor se faz nesta idade, na necessidade de tentar comunicar mas permanecendo escondido”.

O escritor revelou que, devido à sua gaguez, “a comunicação oral, em criança, era extremamente difícil e descobri que a escrita me convinha mais, ou seja, a respiração que a escrita me traz e o tempo que a escrita me dá dão-me uma paz que a comunicação oral nunca me deu”. Para além disso, considera que a sua perceção do tempo é diferente e “o tempo é o fator mais importante para qualquer romancista”.

Outro aspeto que associa à descoberta da gaguez é o medo: “a escrita tornou-se um sítio de refúgio, um sítio onde podia estar à vontade e não era obrigada a dizer nada. O medo tem a função de nos proteger”. Além do tempo e do medo, a terceira descoberta foi a aceitação: “capacidade em ser vulnerável, uma coisa que dá imenso jeito para escrever os meus livros”.

Terminou, dizendo que “se não escrever, a minha vida é um desgoverno de ideias e emoções e de sentimentos confusos e baralhados. Estas três palavras (tempo, medo e aceitação) são também importantíssimas no percurso que tenho feito. Para alguns de nós, não há outro caminho senão começar a amar aquilo que somos mesmo que isso nos cause uma enorme dificuldade”.

Karla Suarez optou por interpretar o tema da Mesa lendo um texto sobre os leitores sendo que “afinal, são eles o final de todo o processo”. A escritora cubana revelou que “escrever, às vezes, é um ato de exorcismo” e, enquanto “o texto não existe, não há leitor possível. O único leitor são os meus olhos. Sou cúmplice absoluta da história e de tudo o que esconde atrás dela”.

Para Afonso Cruz, “a criação exige um esforço, há sempre uma rutura com aquilo que somos, com as nossas ideias, os nossos preconceitos porque senão, não seria criação. E essa rutura implica sempre alguma dor, algum sofrimento. Adoro escrever, tenho prazer em escrever e se não tivesse não escreveria, o que não quer dizer que por vezes não me magoe”.

E a propósito dos tormentos que os escritores passam com as suas criações e as suas personagens, deu o exemplo de Flaubert que “sofria as dores da sua personagem, Madame Bovary”. Balzac, Giacomo Leopardi, Unamuno e Guerra Junqueiro foram outros exemplos dados por Afonso Cruz para abordar a questão do sofrimento e da dor e recorreu também à pintura para o ilustrar e concluir que “tudo provinha de nós, este tormento todo, na verdade, somos nós”.

Acompanhe o 19º Correntes d’Escritas no portal municipal e no facebook Correntes, onde pode consultar o programa completo do evento e ficar a par de todas as novidades.