Teve como solista o holandês Ronald Brautigam que, em dois concertos para piano de Mozart, deixou excelentes impressões aos apreciadores da música antiga ‘historicamente informada’. Tanto mais que foi utilizada uma cópia de um fortepiano Anton Walter da época do compositor salzburguês (réplica moderna do apreciado construtor Anthony Sidey). Ainda no âmbito da música antiga ‘historicamente informada’ – uma das rubricas mais apreciadas da sua programação nuclear –, o FIMPV proporcionou momentos de rara beleza ao numeroso público que afluiu às Igrejas Matriz e de S. Pedro de Rates. No concerto pelo Ensemble Masques, com os cravistas Olivier Fortin e Jean Rondeau, realce para os concertos para dois cravos e orquestra de Johann Sebastian Bach e para a humorada (mas discreta) encenação da Abertura ‘Burlesque de Quixotte’ de Telemann. Mariana Flores, soprano argentina detentora de uma sedutora vocalidade, foi a teatral protagonista do concerto pela Cappella Mediterranea dirigida pelo carismático Leonardo García Alarcón, num programa com música de Monteverdi. A despertar imensa curiosidade era o programa proposto pela Capella Sanctae Crucis, integrado no projecto de investigação e de pertinente divulgação dos arquivos da Universidade de Coimbra com origem no Mosteiro de Santa Cruz (século XVIII). O concerto resultou em pleno, sobressaindo a intervenção da expressiva soprano Marie Remandet e do assertivo director do agrupamento, Tiago Simas Freire, que também interveio como instrumentista (corneto, flauta e gaita de foles). Finalmente, o recital de Pierre Hantaï propunha uma viagem pela música barroca escrita para tecla. O célebre cravista francês, que mereceu inteiramente os fartos aplausos do público (retribuídos com um extra: a Ária das Variações Goldberg, de Bach), deixaria estas impressões na brochura-arquivo do FIMPV: «C’est toujours un bonheur de jouer ici, à Rates. L’acoustique de l’église est miraculeuse, le clavecin y sonne comme un orchestre! Le public est chaque fois meilleur, concentré et respectueux de la musique – Longue vie au Festival !»

Os concertos e recitais com música de câmara também atingiram elevados patamares qualitativos. O regresso do Pavel Haas Quartet renovou as impressões deixadas em anteriores deslocações, sobretudo com a primorosa interpretação do Quarteto op. 127 de Beethoven (de destacar também nesta presença da formação da República Checa entre nós, a masterclass concedida ao Quarteto Verazin). Dois recitais de piano solo por pianistas de diferentes gerações: o do jovem Raúl da Costa, que propôs um belo programa a abarcar o século XVIII, XIX e XX (o público terá apreciado sobretudo a ‘Sonata ao Luar’ de Beethoven e a espectacular ‘Islamey’ de Balakirev); e o do já veterano Alexander Melnikov que, após música de Schubert e Brahms na primeira parte, preencheu toda a segunda com Prelúdios e Fugas (op. 87) de Shostakovich, a exigir do público profunda concentração, aliás bem correspondida. Excelente programa foi também o proposto pelo duo formado por Raquel Camarinha e Yoan Héreau e pelo Quarteto Verazin, os quais, em conjunto ou apenas em formação com voz e piano ou puramente instrumental, propuseram música inspirada em poemas de Paul Verlaine. Num programa à parte, dedicado à nova música, coube ao Ensemble Clepsidra e a um quarteto formado por Afonso Fesch, António Saiote, Filipe Quaresma e Miguel Borges Coelho a estreia mundial de três obras: de Miguel Bastos (1º Prémio do 10º Concurso Internacional de Composição da Póvoa de Varzim) e Gerson Batista (2ºPrémio) e ainda a obra encomendada pelo FIMPV a José Luís Borges Coelho (Presidente do Júri do Concurso). Dias depois, Raquel Camarinha voltava ao palco do Cine-Teatro Garrett, como solista na 4ª Sinfonia de Gustav Mahler, para cantar a divina ‘Das himmlische Leben’. A Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, dirigida por Martin André, além de ter interpretado aquela marcante obra do período tardo-romântico, iniciou o concerto com ‘Summer Evening’ de Zoltán Kodály. No conjunto, este foi um dos concertos mais conseguidos da edição. Juntamente com o da Orquestra Metropolitana de Lisboa dirigida pelo compositor Pedro Amaral – um concerto transmitido em directo pela Antena 2. O momento mais espectacular foi com certeza a apresentação de ‘Speaking Drums’ de Péter Eötvös, a exigir do jovem percussionista Agostinho Sequeira, vencedor do Prémio ‘Jovens Músicos’ 2016 da Antena 2, um domínio técnico e cénico exuberantemente demonstrados. O concerto encerrou com a monumental Sinfonia nº 1 de Brahms.

Numa clara antevisão do concerto pela Cappella Mediterranea (concretizado na última semana de Julho), o musicólogo Rui Vieira Nery dissertou sobre o tema ‘Monteverdi e a Construção da Ópera Barroca’ na abertura do FIMPV, a 7 de Julho. Foi uma conferência realizada no âmbito das comemorações do 450º aniversário do nascimento do célebre compositor de Cremona seguida pelo público com o habitual interesse.

No que concerne ao programa nuclear do FIMPV são estas as primeiras impressões a registar. Resta referir algumas Manifestações Paralelas, designadamente as masterclasses de António Salgado (canto), Miguel Rocha (violoncelo), Capella Sanctae Crucis (música antiga) e a já referida do Pavel Haas Quartet (música de câmara), todas elas frequentadas por um assinalável número de alunos executantes ou simplesmente ouvintes. Acrescente-se os concertos informais pelo Coral Ensaio da EMPV e por alunos e professores da Escola de Música da Póvoa de Varzim, bem como por alguns dos premiados do Concurso de Piano 2017, e ainda diversas exposições patentes na Escola de Música, Biblioteca e Museu.

A 39ª edição do FIMPV beneficiou mais uma vez dos apoios estruturantes da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, da Direcção-Geral das Artes, do Turismo de Portugal, de diversas instituições e empresas (ao abrigo da Lei do Mecenato) e de meios da comunicação social. Como vem dendo habitual, boa parte dos objectivos atingidos fica a dever-se ao empenho e dedicação da equipa administrativa e logística junto dos artistas convidados e do público.

Esta edição do FIMPV manteve o nível qualitativo e de afluência de público das anteriores, tanto quanto se pode aferir pela análise de alguns indicadores: recintos com lotação esgotada em 9 espectáculos; média de ocupação dos recintos de 96,27%; média de 308 pessoas para 13 espectáculos realizados (total de 4.003 pessoas); 10 espectáculos excepcionais em termos absolutos; e um bom retorno da crítica especializada publicada em jornais e rádio de expressão nacional.

Recorde os espetáculos deste 39º Festival Internacional de Música na nossa fotogaleria.