São verdades de acordo com cada perspetiva, é uma verdade factual ou pessoal, ou uma corrente de resistência àquela verdade profunda e íntima, que constitui o lado negro de cada um… as opiniões foram diversas e apresentadas de maneiras diferentes por cada elemento da mesa: Ana Margarida de Carvalho, António Mota, João Ricardo Pedro e Michel Laub (Moderadora: Isabel Lucas).

Ana Margarida Carvalho admitiu que gostou desde logo da musicalidade da frase, que apresenta dois conceitos antagónicos, pois “a verdade é diferente da ficção”. A frase ativou o seu lado de jornalista: “no jornalismo estamos acorrentados à verdade”. A escritora de “Que importa a fúria do mar” fez um exercício lembrando Almada Negreiros, “a verdade persegue-me, a verdade é o meu trabalho, a verdade pode ser inconveniente, e poderia continuar com a ajuda de Almada”…

Ana Margarida afirmou que escreveu um livro sob a perspetiva de um homem “que não sou nem nunca fui”, mas que todos lhe dizem que está muito bem retratada na obra: “talvez tenha denunciado muito de mim e tenha transportado a minha verdade para o meu livro”.

António Mota teve o condão de prender a atenção e provocar a reação imediata de apreciação do vasto público (sala de 600 lugares lotada) ao contar uma história baseada em eventos da infância, que começou com uma corrente de bicicleta. É que a frase proposta a discussão fez o autor lembrar-se da corrente da bicicleta do seu pai, já que nos anos 60, numa aldeia onde não havia luz, água ou telefone, poderia ser considerado luxo ter uma bicicleta daquelas. Uma história cheia de humor e peripécias de menino, que “convidava a bicicleta para passear, mas ela chegava a casa com falta de ar no pneu. E um dia ela esqueceu-se de ficar doente, então fui para o adro da Igreja treinar o equilíbrio, cai não cai, aprendi num instante, a andar em frente era um ás do pedal…” A história prolonga-se pela oficina de tamancos do pai de António Mota, onde em criança também pregou uns pregos, enrolando-se a narrativa pela invenção da Finória, uma truta que o escritor pôs a nadar no livro “Aldeia das flores” depois de constatar que não conseguia pescar nada de jeito, apesar dos ensinamentos do Quinzinho Alfaiate. O insólito acontece passados uns anos, quando “uns senhores de um qualquer ministério que não o das Finanças” procuram António Mota dizendo que receberam uma carta de um cidadão que se queixava da poluição que uma vacaria estava a fazer a um rio. E o grave é que, segundo o queixoso, “nesse rio navegava uma truta famosa, a Finória, como escreveu no seu livro o escritor António Mota”. O autor mostrou-se perplexo (“Então a Finória existiu mesmo?”) e só conseguiu responder que “o cidadão da carta dizia toda a verdade”.

Michel Laub, jornalista e ficcionista brasileiro, afirmou que no Brasil existe uma máxima que diz que o “jornalismo usa a verdade para mentir e que a ficção usa a mentira para dizer a verdade”. O autor defende a verdade como algo autêntico que um escritor tem para transmitir, a verdade ficcional é sempre uma forma de expressão pessoal. Este escritor considera a corrente “não no sentido físico como a corrente de bicicleta de António Mota, mas como algo imprevisível ao longo do tempo”, qual “fluxo marítimo”. E o escritor quando começa a escrever já sabe de antemão que será derrotado, porque sabe que não conseguirá vencer esse fluxo.

A Literatura como expressão pessoal, como verdade, é a “expressão daquele ponto negro e obscuro dentro de si, até incómodo para si mesmo, aquele eu que não está impregnado de influência do mundo”. O trabalho de “escavar até esse ponto negro, essa verdade” é a resistência ou a corrente. De acordo com Laub há dois pontos de resistência nessa expressão pessoal de verdade: o pudor e a linguagem.

João Ricardo Pedro leu um texto preparado na véspera, apresentando uma história que parte da observação do quadro de Jacobson “Felizes os que creem sem terem visto” e lhe trazem memórias da infância, a conversa entre duas mulheres na apanha da azeitona.