Natalia Porta López, José Milhazes, Ana Cristina Silva, António Tavares, Alice Brito e Afonso Reis Cabral foram os escritores convidados e João Gobern o moderador.

A argentina Natalia Porta López dedica-se, há 20 anos, a disseminar a importância do livro e da leitura no seu país. Sabe, como Manuela Ribeiro, o que é preciso para se fazer um festival literário. “Os escritores vêm em manada, alguns perdem voos, uns até os perdem duas vezes, decidem que não querem sair dos seus quartos, ficam amuados”, afirmou Natalia Porta López. Talvez por isso a escritora considera que a “a palavra literária é coisa de mortais, não de Deuses”. Segundo a argentina “a poesia não é uma religião mas não há poeta que não escreva para a salvação da sua alma”. Quanto a Sophia, Natalia pede desculpa, mas a palavra não é sagrada, pelo menos não com o significado que tem no dicionário. E esclareceu que a poesia de Sophia de Mello Breyner está a salvo no seu país.

José Milhazes afirmou odiar sociedades utópicas: “utopias, além de chatas, são cruéis, são cantos de sereia. O meu livro, nesse sentido, é anti-utopia porque mostra duas utopias que se transformaram em infernos para a civilização”.

Para o jornalista, a sua profissão está a morrer e ela é uma das principais fontes da palavra. “Os demagogos são cada vez mais e utilizam as novas tecnologias de forma mais inteligente do que os não demagogos”, sublinhou. “A palavra é sagrada porque a verdade é também sagrada. Não falo no sentido dos Deuses ou de Deus. Quando falo em sagrada falo mais na palavra de honra, pura, verdadeira, na que deve orientar e ser cumprida. Na atualidade é cada vez mais difícil encontrar essa palavra”.

Quanto à vinda de escritores em manada, José Milhazes corrigiu Natalia Porta López: “para a Póvoa não vêm em manada. Vêm em cardume”.

Para Ana Cristina Silva o sonho dos autores é mudar o mundo, encontrar as palavras certas que acabem com a violência doméstica, com a guerra, com as desigualdades. E, mesmo sabendo que os seus livros não vão mudar o mundo, não deixam de tentar.

“As palavras podem não ser sagradas mas são, seguramente, tramadas”, disse António Tavares. “Quando dizemos cão sabemos o que é, um animal doméstico de quatro patas. Mas quando chamamos cão a alguém é um insulto que de insulto não deveria ter nada”.

Se José Milhazes odeia utopias, Alice Brito questiona: “o que seria de nós sem a utopia das utopias?” A escritora afirmou que “papamos verdades mentirosas que elegeram Bolsonaro, Trump, Brexit. A mentira da pós-verdade é a mentira do óbvio, desvalorizarmos o que tem valor”. Também ela abordou o jornalismo atual: “à hora de jantar passam por nós cadáveres inocentes na televisão e se, à primeira colher de sopa, nos comovemos, no último gomo de laranja já nos esquecemos”. Alice Brito mencionou um estudo: existem apenas 300 palavras-chave ditas nos jornais televisivos. “A caixa que mudou o mundo tem parcimónia nas palavras, é a economia da palavra, a palavra pauperizada. O que parece ser verdade é mais forte do que a própria verdade. Negar as alterações climáticas é igual a afirmar que o sol é quadrado e dizer que os refugiados são a nossa maior ameaça é igual a jurar que há provas da existência de armas de destruição massivas”.

“Que as palavras se cumpram e não se comprem. É preciso que se saiba que as palavras são sagradas”.

Para Afonso Reis Cabral “escrever é o ato mais puro, feliz e triste da minha vida”. A palavra sagrada remete-o para o que é intocável, cristalino, referenciável e para o escritor “a melhor forma de sacralizar algo é profanar”.

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