Fazendo jus a esta efeméride e porque a actual situação
do país assim o dita, Rui Vieira Nery dedicou a conferência de abertura a um
“período da história da música em crise”, em que Mahler foi um “profeta do fim
de um tempo e arauto de outro”.

O musicólogo
referiu-se aos finais do século XIX e inícios do século XX, período que, a
nível cultural, ficou marcado por uma “vontade de inovar porque há consciência
de que algo falhou”. Na segunda metade do século XIX, do ponto de vista
musical, “os compositores achavam que deviam ser um factor de progresso e eram
portadores de uma verdade que legitimava tudo”. A manifestação mais clara das
linhas de inovação foi a ópera de Wagner, que denominou esta postura de “música
do futuro”, e apresentou algo de muito diferente daquilo a que estavam
habituados, uma espécie de melodia ininterrupta, infinita. Destaque, nesta
época, para a sinfonia de Bruckner, na qual não existe propriamente um desenho
melódico, há como que um novelo que se vai desenrolando. É uma espécie de
viagem em que vamos avançando sem sabermos onde chegamos, que Nery define como
uma arte que imita a vida na procura do infinito.

Para além destes, outros
compositores desafiaram as convenções existentes com ideais de ruptura e
inovação numa época marcada por vanguardas mas nem toda a música deste período
é assim. Verificou-se uma mudança feita pelo diálogo entre o lado vanguardista
e os compositores mais próximos da tradição romântica do século XIX.

Sobre Mahler, Nery
afirmou que “foi uma espécie de segredo bem guardado porque durante muito tempo
foi conhecido como maestro e só na segunda metade do século XX é reconhecido
como compositor”. Em 1897, Mahler converteu-se ao Catolocismo porque além de
ser conveniente para sua ascensão profissional, o Cristianismo atraía-o pelo
facto de oferecer uma promessa de redenção, após uma fase de sofrimentos. É,
nesta altura, nomeado para dirigir a Ópera da Corte de Viena. A partir do
momento em que vai para Viena, Mahler só compõe no Verão porque nos restantes
meses tinha a agenda preenchida como maestro. O conjunto do seu trabalho
artístico é formado basicamente de canções e nove sinfonias completas (Mahler
chegou a trabalhar numa décima, mas não conseguiu terminá-la), sendo que as sinfonias
são as obras que mais se destacam na sua produção musical. É possível
identificar em Mahler várias facetas de modernidade: busca elementos
provocatórios das músicas populares; recorre à imagem rústica como um elemento
de ruptura estética assumida; interessava-se por textos do romanceiro popular
num regresso às raízes. O tema da morte também está presente na obra de Mahler
e passagens alegres dão lugar a outras trágicas e de desespero, que reflectem a
vida atribulada do próprio compositor, nomeadamente a morte da filha. As
sinfonias são complexas, enormes, tanto na duração, quanto na quantidade de
músicos necessários para sua execução parecendo querer representar o mundo. A
voz humana é usada na 2ª, 3ª, 4ª e 8ª sinfonias, sendo que esta última se
destacou porque requeria mais de mil músicos, entre orquestra, solistas e um
coral imenso, uma massa orquestral e vocal esmagadora transmitindo uma vontade
de abraçar o mistério da criação e da existência. Grande parte da sua obra dá
uma sugestão de procura de plenitude e visão de eternidade para a vida.

Sobre a conferência
de Rui Vieira Nery, José Macedo Vieira, Presidente da Câmara Municipal,
definiu-a como uma “magistral lição de música, mas não só, porque na sua
exposição, o musicólogo ensinou história, sociologia, literatura,
antropologia”, levando o autarca a apelidá-lo de “mestre”. Afirmando que “não
foi inocentemente que Nery escolheu como tema da sua conferência «Em torno de
Gustav Mahler: Vanguardas e Romantismo Final nas Vésperas da Grande Guerra», o
autarca adaptou o título: «Em torno de Rui Vieira Nery: Indignados e
Capitalismo Liberal nas vésperas da guerra».

Este foi o arranque
da Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim que já apresentou dois
concertos durante o fim-de-semana e amanhã, 12 de Julho, convida a assistir à
actuação de dois grandes solistas contemporâneos.

Acompanhe o evento no portal
municipal
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