O que leva Siza Vieira a apreciar a poesia é, acima de tudo, o “rigor” com que a palavra é escolhida em certo texto, num determinado espaço, e a força que essa palavra adquire naquele poema em particular.

Como arquiteto de segunda opção (o seu sonho inicial era ser escultor), o rigor é uma linguagem fundamental, “o grau de exigência que se nos propõe é profundo e é útil”. Foi a primeira abordagem da conversa que Álvaro Siza Vieira manteve com o moderador José Carlos Vasconcelos, diretor do Jornal de Letras, e depois com os muitos presentes na Conferência de Abertura.

A Conferência com o tema “A Arquitectura e Outras Artes” desvendou algumas histórias de bastidores do trabalho de Álvaro Siza Vieira, desde o tempo em que ainda queria ser escultor até ao mais recente impedimento de dar continuidade presencial ao seu trabalho na China, por causa do novo coronavírus.

Quando era jovem, contou o arquiteto, havia a ideia, principalmente aqui no Norte, que um escultor era “um boémio que passava fome”. Então o pai de Álvaro Siza Vieira pediu-lhe, “filho, não faças isso”. Resolveu ir para Arquitetura para, “discretamente, passar depois para a Escultura”, mas acabou por “gostar” e seguiu para essa área, por isso “hoje, sou arquiteto”.

Voltando à relação entre a Literatura e a Arquitetura, Siza Vieira afirmou que se lembra de ter lido num livro, de que não se recorda o título e autor, mas com o qual se identificou: “as personagens iam ganhando autonomia e vida própria, tornando-se quase independentes do escritor”.

Ora, sublinhou Siza Vieira, “isso é o que acontece quase com a Arquitetura”. E acrescentou o arquiteto de 86 anos, que já escreveu, em tempos, num texto que os edifícios eram como os animais, que também “iam ganhando vida própria à medida que iam sendo desenhados”. A comparação tinha ainda a ressalva do arquiteto: “se se asfixia a vida desse animal, ele perde-se, mas também se lhe é dada toda a liberdade, torna-se um monstro”.

Também este trabalho do arquiteto exige um determinado controlo durante o seu desenvolvimento, além da criatividade equilibrada com o rigor.

As semelhanças foram sendo enumeradas, como o caso da Música. Siza lembrou que leu um dia uma entrevista a um músico/compositor, que descrevia como trabalhava – “sentava-se ao piano, tocava uns acordes, se não achava que estava bem, parava e voltava atrás, as ideias iam surgindo e iam-se misturando, dessa mescla nascia a composição”. Mais uma vez, sublinhou Siza Vieira, “é como se trabalha na Arquitetura: vamos fazendo uns esquiços, por vezes, disparates, sendo em grande parte um trabalho de autocrítica e de crítica da equipa com que trabalhamos”.

O arquiteto, premiado com um Pritzker (apelidado o Nobel da Arquitetura) em 1992, considera que há semelhanças entre o trabalho na Arquitetura e nas outras artes, como na pintura, na escultura, ou até no cinema.

O matosinhense (nascido em 1933), autor de obras de particulares na Póvoa de Varzim (Casa de Santos e de Beires) e que realizou a sua primeira exposição de aguarelas aqui na cidade das Correntes d’Escritas em 1957, a convite do Clube Naval Povoense, tem obras espalhadas pelo mundo inteiro. Tem mais trabalho no exterior do que em Portugal, pois aqui no país, pouco depois do 25 de abril, participou do processo participativo de Arquitetura – o SAAL, que acabaria por não correr muito bem com o governo, que colocou fim à iniciativa.

No entanto, essa intervenção num processo mais democrático, valeu-lhe convites de outros países europeus, onde essa democratização da sociedade perante a Arquitetura já se encontrava mais avançado. A partir daí as solicitações não pararam e os prémios também não.

Atualmente está a construir um prédio em Nova Iorque, o que classificou “uma sorte”, estando ainda com muitos trabalhos na China, na Coreia, Taiwan e Japão. São projetos aliciantes, disse. Deu como exemplo um Museu que está a construir na China com 130.000 metros quadrados. Só para se ter uma ideia da magnitude, o Museu de Serralves tem 15.000 metros quadrados.

O novo vírus veio atrasar todo este trabalho, lamentou Siza Vieira, frisando que os orientais o “tratam muito bem” e também “pagam bem”.

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