O livro, editado em 2008, é o resultado de
um estudo científico elaborado no âmbito da conclusão da licenciatura em
História e faz um retrato da prostituição legalizada na Póvoa de Varzim, entre
1871 e 1950.

Os autores do livro explicaram, na sessão de
ontem, que se serviram de várias fontes para o estudo, algumas delas
conservadas no Arquivo Municipal, como os Livros de Matrículas das Toleradas,
as Actas da Câmara Municipal ou os registos de entradas e saídas do Hospital.
Estudaram também os códigos administrativos, os Arquivos do Registo Civil e
recolheram testemunhos orais.

Desse trabalho, partilharam alguns
resultados com a assistência, utentes da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de
Varzim. Assim, explicaram que o Livro de Matrículas das Toleradas era um
registo, obrigatório para quem se dedicava à prostituição, onde constavam dados
biográficos e físicos das “toleradas” e ainda a “patroa” a quem pertenciam.
Neste Livro de Matrícula eram escritos os resultados das inspecções sanitárias,
obrigatórias uma vez por semana. Para além do Livro de Matricula, as “toleradas”
eram portadoras de uma Cédula de Polícia Sanitária, que deviam ter sempre
consigo, onde constavam os resultados das inspecções sanitárias.

Celeste Coelho e Roberto Martins chegaram
ainda à conclusão que, num período inicial da prostituição na Póvoa de Varzim,
as “toleradas” eram provenientes de outras zonas do país e chegavam por alturas
do Verão, partindo antes do Inverno. Tinham entre 18 e 25 anos, quase todas
eram solteiras, a maior parte analfabeta e com profissões humildes, como criada
de serviço ou costureira. As “patroas” eram antigas prostitutas e pagavam um
imposto. Os autores do trabalho contaram ainda que desconfiam que muitas destas
patroas tinham “redes angariadoras”, seduzindo raparigas da província com
promessas de emprego e colocando-as depois nos bordéis ou “colégios”.

Com o passar dos anos, a prostituição deixou
de ser um fenómeno sazonal e os “colégios” mantinham-se abertos ao longo de
todo o ano. Muitas da prostitutas eram já naturais da Póvoa de Varzim.

“Vítimas de uma sociedade que as usava mas
não as protegia”, as prostitutas estavam mais expostas a doenças. De tal
maneira que o Estado se preocupava com a profilaxia social, chegando mesmo a
criar vários panfletos de sensibilização. As doenças sexualmente transmissíveis
ou a tuberculose atingiam estas mulheres. Muitas delas sofriam de doenças não
identificadas na altura, provocadas por abortos clandestinos, muitos realizados
com recurso a mezinhas caseiras que podiam levar a hemorragias fatais. “Eram
mulheres que só podiam contar com elas próprias”, contou Roberto Martins. Mas
mesmo assim, as “toleradas” de tudo faziam para se igualarem às outras
mulheres. Andavam limpas, eram educadas, vestiam-se com decoro na rua. 

A prostituição na Póvoa de Varzim encontra o
seu expoente no século XIX, quando a Póvoa de torna o “coração da Costa Verde”,
um centro turístico devido às praias e ao Casino, sucesso turístico esse que se
deve também à ligação ferroviária que ligava ao Porto. Encarada como um “mal
necessário”, a prostituição colocava alguns problemas, como por exemplo a
localização dos “colégios”. Entre as autoridades, havia a noção que estes
deviam ficar perto “mas longe da vista”.

Com a chegada do Estado Novo, surge a
questão moral e as mulheres são encaminhadas para instituições ligadas à
Igreja, onde podiam aprender novas profissões. Em 1942 são proibidas as novas
matrículas, sendo que a prostituição continuava a ser legal para as mulheres já
matriculadas. Em 1962 é proibida por completo e em Novembro desse ano
assiste-se, na Póvoa de Varzim, ao desaparecimento dos “colégios”. A
prostituição entra na clandestinidade.

No final do livro, mais do que uma
conclusão, os autores optaram por publicar várias histórias sobre estas
mulheres, finais felizes e infelizes. Como a da rapariga que, resgatada pelo
pai de um “colégio”, fugiu de casa, de volta ao bordel, trazendo consigo a
irmã. Ou a de uma patroa que empregava a própria filha. “Algumas acabavam por
encontrar aquilo que procuravam desde sempre, uma casa, um marido, uma família”,
contou Roberto Martins, dando como exemplo as histórias de algumas mulheres que
acabavam por casar.

Este é o retrato da prostituição da Póvoa de Varzim
entre o século XIX e meados do século XX, motivado pelas dificuldades
económicas e falta de instrução. Foi mais uma tema tratado no âmbito da
iniciativa “À quarta (h)à conversa”, promovido pelo Arquivo Municipal, sempre
na terceira quarta-feira de cada mês. Esta foi também a primeira sessão em que
o Arquivo recebeu convidados para falar sobre o tema, uma inovação que pretende
manter nas próximas sessões. Assim, em Março, no dia 17, o convidado é Armando
Marques, que desempenhou as funções de Chefe do Serviço de Turismo da Câmara
Municipal da Póvoa de Varzim entre 1966 e 1987, e que falará sobre o Ciclo Solene
e Festivo da Páscoa.