Antônio Torres, Hélia Correia e Manuel Alegre, moderados por José Carlos Vasconcelos, interpretaram o significado da palavra catarse e a sua relação com a literatura.

“A longa jornada de um imbecil em busca do entendimento” é o título de uma peça de teatro brasileira. Antônio Torres lembrou-se deste título quando foi informado sobre o tema da Mesa em que iria participar: “em busca do que dizer aqui, senti-me um pouco assim”. O escritor baiano confidenciou que um dos seus romances levou-a a fazer psicanálise. “O protagonista do livro é suicida e enquanto o escrevia comecei a sentir-me incomodado, perturbado”. A terapia foi a solução encontrada pelo escritor e esta era efetuada em grupo.

Antônio Torres contou, ainda, que as suas pesquisas para escrever esse romance levaram-no à tua terra natal por duas vezes, uma vez que o protagonista também havia nascido e vivido lá. As viagens revelaram-se infrutíferas em factos. “Ninguém queria contar-me nada. Depois percebi que foi melhor assim. O romance fez-se em cima da negação dos factos. Se eu me tivesse prendido aos factos, eu teria escrito uma boa reportagem, mas não um romance. A catarse é para Antônio Torres, então, o resgate da memória como método terapêutico. Quanto à psicanálise, o escritor contou que, assim que se sentiu tranquilo novamente, cessou com a terapia. Soube mais tarde que o grupo foi dissolvido logo após a saída do escritor.

Hélia Correia afirmou que, pela primeira vez, não ficou perplexa quando foi informada sobre o tema da “sua” Mesa. “Senti-me em casa. E, claro, vou puxar a brasa à minha sardinha e vou falar sobre a Grécia”, disse a vencedora do Prémio Camões. “Esta é uma missão levada com muito gosto na minha vida”.

A palavra catarse é utilizada em muitos estudos literários, segundo Hélia Correia. “A catarse é um vómito, é livrarmo-nos de qualquer coisa que entrou em nós e alterou o nosso estado físico e mental. “É uma descarga emocional”, disse a escritora. Na Grécia, por causa da comunhão e do ritual de partilha da criatividade humana, as pessoas libertavam-se das suas tensões, no sentido de chorarem em conjunto, de se indignarem em conjunto. Era uma experiência superior a tudo o que o ser humano pudesse experienciar sozinho”.

Segundo Hélia Correia, “estamos numa fase infantil da fruição artística. Há livros que leio e releio e choro sempre. Mas isto não é catarse. É a suspensão da descrença, um fenómeno completamente diferente. A catarse tem de ser coletiva”.

Manuel Alegre procurou, nos dicionários que possui, o significado da palavra catarse. Não encontrou. Foi encontra-la na Internet, na Infopédia, um conselho de Cecília Andrade, mas não se identificou com nenhuma das definições.

“A literatura nasceu da linguagem e da imaginação. Poetas e romancistas continuam, com palavras, a tentar mudar e reinventar a vida. E, às vezes, a tentar adivinhar, porque a escrita continua a ser uma vidência”, afirmou o poeta.

“Não sei falar de literatura, nem de poesia. Nem sei se uma está relacionada com a outra. A literatura, para mim, é uma espécie de cerimónia de exorcismo, de libertação, não de purga. Escrever sempre foi um estado de graça, mesmo nos tempos mais terríveis, de guerra, de prisão, de exílio, de despedidas. Rejeitaria a possibilidade de ser um daqueles poetas intemporais ou fora da História.”, disse Manuel Alegre. “A liberdade não é uma filosofia e nem sequer uma ideia. É um movimento de consciência que nos leva, em certos momentos, a pronunciar um de dois monossílabos: sim ou não. Havia um grande não para dizer, um não histórico, poético. Havia a ditadura e a guerra colonial e a urgência de dar a volta aos mitos. Um não assim pressupunha, talvez, alguma ingenuidade. E esse andava no ar, que se ouvia sem se ouvir, através da poesia e da música. A atividade poética é revolucionária por natureza”.

“Escrever é um acontecimento cósmico e cada palavra é um palácio do universo. Não sei se é a escrita que purifica a existência ou se é a vida que se transmuda em palavras. Creio que, para escrever um só verso, é preciso ter visto muitas cidades, conhecido muitos homens”.

“Que sentido tem hoje a poesia, num mundo governado pela ganância e pela estupidez? Há o peso, não da ditadura, mas de forças invisíveis a que chamam mercados e que roubam as reformas aos velhos e o futuro aos jovens. É para isso que serve a poesia hoje. Cada poema que se escreve é uma derrota para a indigência política, cultural e até mesmo literária e da regressão civilizacional que hoje estamos a viver”, concluiu Manuel Alegre.

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