Num diálogo estimulante com Luís Carmelo, o autor foi desafiado a conversar sobre as suas metodologias de criação literária, qual o caminho que toma em direção ao resultado final dos seus trabalhos e qual a influência do tema do “mal” no seu processo criativo.

Lembrando as suas origens na cidade piscatória da Nazaré, Jaime Rocha entende o mal num “sentido de destino, numa terra habituada a conviver com naufrágios, fome e tantas mortes, como se fosse o próprio desígnio do pescador nascer para morrer”.

O escritor e dramaturgo considera que “este mal funciona como um sentimento, uma emoção, uma imagem que sempre me impressionou. Vivo numa terra em que toda a gente está vestida de preto, de luto. Isto salta para as palavras, para a escrita e transforma o poder da expressão pela palavra, porque não há onda igual a outra, assim como não há escritor igual a outro”

Esta vivência fez com que crescesse com “um pé calçado e o outro descalço, um que está completo e feliz e outro que dói. E é essa dor que estimula a veia criativa e a imaginação. É essa inevitabilidade da morte que funciona como um momento dramático, de tragédia, que depois é transformado em literatura”.

Questionado sobre a catarse do momento cómico, Jaime Rocha salientou que “é impossível viver só de tragédia ou sempre em festa, pelo que as comunidades são obrigadas a criar contrapontos, a misturar tragédia com comédia”, um híbrido literário que aprecia particularmente.

“Este equilíbrio entre comédia e tragédia é prova de sabedoria popular. Depois de um momento dramático, a comédia funciona como um momento de corte, que altera tudo o que está representado de forma vincada. De repente, sentimo-nos à vontade para rir da reprodução da tragédia, no meio da nossa comunidade e da nossa família”, sublinhou.

Para o escritor, o ímpeto criativo vive “numa realidade que funciona para qualquer género de escrita”. Exemplificando com um pequeno exercício prático, Jaime Rocha indicou um simples cesto de fruta em cima de uma mesa como um veículo de produção literária, que pode resultar em prosa, poesia ou teatro, pois “o cesto e as maçãs são sempre os mesmos, mas a nossa visão sobre a realidade transforma o resultado final”.

O “Correntes Ícone”, iniciativa promovida em colaboração com a Ec.On Escola de Escritas, regressa ao Cine-Teatro Garrett amanhã, às 21h00, na Sala Principal, para uma conversa com Ricardo Araújo Pereira e Andreia Azevedo Moreira. A terceira e última sessão terá lugar na Sala de Atos, às 20h00 de sexta-feira, com a presença de João Tordo. Luís Carmelo irá moderar ambos os momentos.

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