Para abordar o tema, António Cabrita começou por contar a história de duas tias. A primeira, tia Escolástica que, “durante 40 anos só falou com a concisão necessária para repudiar a sua sorte. Obedecera aos ritos e à lei e, em contrapartida, o seu gesto silenciou o mundo à sua volta”. Através desta história, o escritor vindo de Moçambique foi transmitindo algumas mensagens, como, “a experiência do silêncio é intransmissível” e “os poderes do silêncio podem ser devastadores”.

Antes de passar à história da segunda tia, António Cabrita lembrou que “em todo o século XX houve uma valorização estética do silêncio”, continuou acrescentando que “estamos convencidos que o pensamento é linguagem, esquecidos de que não pensamos exclusivamente por palavras, embora pensemos, às vezes, em palavras sendo estas arquipélagos flutuantes e esporádicos”.

Prosseguiu questionando: “Será o silêncio a substância dessa ondulante consciência oceânica a que voltamos sempre carenciados de sigilo?”, e logo acrescentando: “mas vulgarmente a nossa relação com o silêncio está viciada ainda pelo dualismo, ou é menos ou é mais. O paradoxo é que não existe silêncio sem contacto”.

E resumiu: “há uma linhagem de criadores para que a palavra não passe de uma sombra mitigada de silêncio atribuído de uma dimensão transcendental, uma espécie de polinização do absoluto que só na nossa fusão com o silêncio se deixa entrever”.

Continuou partilhando que aceitava para si uma formulação de Melo e Castro quando escrevia que «o silêncio é comunicação sem mensagem».

Passando à história da outra tia, revelou que “durante a minha infância convivi, diariamente, com uma pessoa surda-muda que vivia em minha casa e me levava à missa. O verdadeiro enigma, para mim, naquele caso não era a mudez dela mas o enigma da distribuição da palavra de Deus”.

Continuou explicando que “a partir desta minha experiência, deixei de considerar o silêncio como algo de mítico para o qual toda a palavra deve confluir. Tive uma educação pelo silêncio. Existem modos de comunicação que estão fora da consciência, no sentido de prescindirem da verbalização. O silêncio pode ser uma comunicação ainda sem mensagem”. Outra aprendizagem foi perceber que “a palavra é um luxo que não se pode desperdiçar”.

António Cabrita revelou ainda que “esta experiência prematura de contacto com a presença do silêncio na comunicação fez-me adotar uma relação com o silêncio que se aproxima mais da polarização oriental onde o silêncio é uma posição embrionária que prepara e antecede a expressão”.

Numa alusão à dança, o escritor afirmou que “o silêncio é o ato de esvaziar e de nos pôr à escuta”.

O escritor e jornalista transmitiu que “para que nos continue a nutrir o silêncio precisa de encontrar em nós um pouco de inocência” e terminou a sua intervenção referindo-se à aliança existente entre o silêncio e o desejo.

Para Clara Úson, “os livros nunca morrem. Renascem de cada vez que alguém os lê”.

Depois de considerar estimulante e gratificante a sua presença no Correntes d’Escritas, Manuela Gonzaga explicou que iria abordar o tema da mesa com um trabalho académico sobre a visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grã Pará, em Maranhão, em 1763/9: “A palavra e o silêncio enquanto segredo como opressores da liberdade”.

Apesar de considerar o tema terrível, a escritora assume que “ele está nas nossas veias”. Portanto, “avancei por caminhos onde o poder articula a utilização rigorosa da palavra e com a utilização igualmente rigorosa dos rituais que envolviam este teatro, com gestão feroz do silêncio, aqui enquadrado na temática do segredo, fundamental para a otimização dos objetivos a que o Tribunal se propunha”.

Manuela Gonzaga constatou que “a palavra detém, por definição, o poder de reter o pensamento e o outro é de suscitá-lo. Estamos num território em que a palavra afirma, através do gesto, o seu contrário. Palavra e segredo formavam este contexto, uma dupla e intrincada hélice de cujo equilíbrio dependia o edifício”.

Assumindo que a sua intervenção está nos antípodas do mote, a escritora e jornalista afirmou que “por mais que pense em liberdade, quando se trata da palavra, e da sua capacidade de criar universos e realidades é quase inevitável ir também ao encontro da sua antítese. A palavra é uma arma de poder. Pode libertar e pode aprisionar. Pode calar o discurso, a vontade, a própria vida…”

José Mário Silva começou por confessar que os motes das mesas são encarados pelos escritores como “uma granada sem cavilha que, de repente, está ali aos nossos pés em vias de explodir”.

E para abordar o tema desta mesa “O poder das palavras faz-se de liberdade e silêncio”, o jornalista começou por ler o poema “As palavras” de Eugénio de Andrade para dizer que “não conheço melhor definição do verdadeiro poder das palavras que é ser a própria coisa que nomeiam”.

Para o escritor, “de nada serve a tecnologia e o conhecimento do mundo se não houver uma linguagem que lhes dê sentido, que os explique. O que nos torna humanos e distingue dos animais é o uso da palavra”.

José Mário Silva dividiu o mote em duas frases: “O poder das palavras faz-se de liberdade” e “O poder das palavras faz-se de silêncio” e a partir destas fez novas leituras.

 

Antes de tratar o tema da mesa, Vergílio Alberto Vieira presenteou o público com um poema da sua autoria intitulado “Cinema Garrett” transmitindo a nostalgia que este espaço lhe causava e dedicou a sua comunicação a Hélia Correia e Jaime Rocha.

In principium erat verbum sentencia a escritura a que recorro como modo de justificar as pegadas do tema” disse o escritor referindo que “o poder das palavras pode ajudar a correr o risco de iludir o público com a distração do caçador de escritores a braços com a pós-cultura que nos aflige e desvirtua”.

Por considerar que o tema da mesa ficaria empobrecido se não recorrêssemos a outros modos de expressão, Vergílio Alberto Vieira trouxe consigo dois convidados: Álvaro Lapa, mostrando um quadro deste pintor português, e Iannis Xenakis, um compositor grego, também engenheiro e arquiteto. Para além disso, músico e foi parte de uma das suas composições designada “Metastasis” que o escritor de Amares partilhou com o público.