Aurelino Costa, poeta e diseur, começou por constatar que “sabemos que o não sabido que abala o corpo no momento da escrita é relativo ao pessoal. O texto denuncia o que sabe e o que não sabe mesmo depois de escrito. É possível detetar num texto os textos que o texto leu e os textos que não leu”.

Para o poeta poveiro, a criação é um combate à conformidade, uma interrupção, um corte com a banalidade, restando o mínimo exigível, referindo-se à complexidade do ato criativo.

Aurelino Costa deteve-se na relação entre a poesia e o corpo e deixou algumas questões de reflexão: O não saber ou não dito corresponde apenas a um corpo? Não existirá o texto antes de um determinado autor? O texto é metade de quem escreve e metade de quem o lê? Quando nasceu o texto?.

“Ser poeta é difícil. Dificuldade que torna a poesia imensa”, assumiu, terminando a sua intervenção com a leitura de um texto do seu livro Domingo no Corpo, apresentado ontem à noite, no âmbito do evento.

Ivo Machado iniciou a sua participação prestando homenagem a Ledo Ivo e à poesia. Recorrendo não só ao verso que deu mote à mesa mas também a expressões de Ferreira Gullar do ensaio Uma luz no chão, referiu que a poesia deve dar voz ao mundo mesmo que tenhamos que viver à margem. O modo como tudo atua sobre o poema é imprevisível. É um dever imperioso dar voz a um mundo anónimo e, aparentemente, sem história. O escritor açoriano revelou que Ferreira Gullar, nos seus livros, sempre recorre a temas perecíveis, que se assemelham com a matéria humana em sua finitude.

“só o que não se sabe é poesia” reimprime a forma como o poeta concebe o seu fazer poético. Uma busca das coisas e da existência. Fala ou quererá dizer da condição de todos nós, e dos poetas, em particular, que trabalhamos com uma matéria fora dos padrões, que não consta dos parâmetros e ideais da sociedade que vê a vida como um instrumento de trocas materiais.

Como a poesia é invenção, ela não existe antes de a inventarmos.

Para Ivo Machado, “fazer um poema é caminhar entre a multidão. E então digo, vou na multidão. Mas nunca de boca lacrada. Fazer um poema é uma inútil procura de responder a múltiplas e inquietantes questões, questões da vida. Fazer um poema é procurar compreender os gritos, saber de onde vêm para que eu possa estar próximo, no meio deles para os escutar e, desse modo, procurar respostas para as indagações e perplexidades que a vida coloca a todos nós em cada e a todo o momento. Questionarei não só a ordem, mas também e sobretudo a desordem, toda a razão e a desrazão, com rigor o desrigor. Enfrentemos, com humildade esse compromisso e sejamos a voz incómoda mas fraterna deste silêncio das coisas anónimas e de todos aqueles que vagueiam pelos incontáveis desertos de si mesmos para nos comunicarmos um com o outro e com a vida. Pois, só assim, e desse modo, nenhuma oscilação haverá na poesia que sempre esteve e estará em equilíbrio, pois que todos os ritos, como a lembrança da primeira noite em todas as outras noites das nossas vidas, incansavelmente a ampare para preservar e documentar os muitos que morrem”.

José Mário Silva leu mais alguns versos do livro Em Alguma Parte Alguma de Ferreira Gullar para definir uma ideia quase cosmogónica da poesia contida neles, ou seja, cada poema é uma criação. E para comentar o verso que dava mote à mesa, o escritor decidiu escrever uma glosa que partilhou com o público.

“Não há poucos poetas porque saibamos pouco, há poucos poetas porque sabemos demais. Escrever é levantar uma cerca de arame farpado na planície, para cá da cerca as nossas certezas, para lá da cerca o que desconhecemos. Se tivermos sorte, o poema vem ter connosco”, disse José Mário Silva.

Lauren Mendinueta revelou que “escrevo para saber alguma coisa e com o passar do tempo aumenta a certeza que não sei nada e sou uma ignorante. Mas, quando escrevo passo a saber”.

 

Para a escritora colombiana, a poesia pode nomear o mal, dando alguns exemplos de poemas em que a temática é abordada como o caso do livro vencedor do Prémio Literário Casino da Póvoa, A Terceira Miséria, de Hélia Correia que fala da dor do povo grego, onde “a poesia está a nomear o mal mas também está a combatê-lo”.

Lauren Mendinueta disse que a matéria da poesia são os sentimentos e os sentimentos são como as marés. Mas o poema não pode deixar que as ondas batam, tem que fazer com que as ondas sejam perfeitas. E, dando continuidade a esta imagem, referiu que, tal como um barco às vezes encalha e não chega ao porto também nem sempre sai o poema.

Fazendo um paralelo entre a poesia e a filosofia, afirmou que o filósofo tem de ter um pensamento ordenado, enquanto o poeta tem que ter intuição, dizer alguma coisa diferente e quanto mais diferente, melhor.

Na sua opinião, há pessoas que têm receio da poesia, encarando-a como algo ameaçador e que faz doer. Mas os poetas colocam alma a falar com alma através da poesia.

João Luís Barreto Guimarães fez uma analogia entre poesia e filosofia constatando que não diferem tanto quanto isso no uso que fazem do pensamento e da linguagem. A filosofia, na procura da verdade e do conhecimento, usando a argumentação lógica e a análise consensual. A poesia, na tentativa de dizer a realidade.

Na sua opinião, “só o que se consegue dizer tem alguma possibilidade de se tornar poesia. O que ainda não se disse e que ainda não é linguagem ainda não existe porque a poesia decide-se na linguagem. Não tem tanto a ver com saber ou não saber, que é mais do domínio da filosofia, antes com o conseguir ou não ser dito, chegar ou não a ser linguagem”.

Os poetas andam atrás da realidade, perseguem o real com a linguagem, tentam expressar aquilo que, à partida, parece inexprimível, indiscritível, o indizível. Convém mesmo ao indizível que o poeta não consiga nunca dizer, para que não abandone o desafio de poetar e tentar traduzir e transmitir por palavras uma ansiedade de ruína, de diferença, no estilhaço, na cicatriz e na dor. Em poesia, o indizível tantas vezes se diz com silêncio. O silêncio num poema é tempo e o tempo para o leitor é reflexão.

O escritor referiu que “os poetas seguem agarrados à crueza das palavras e são impedidos por si próprios de lhes tomar, por fora, melodia ou imagem”, exemplificando com algumas palavras.

Vergílio Alberto Vieira iniciou a sua intervenção com um texto de Alexandre O’Neill e justificou a sua presença na 14ª edição do Correntes d’Escritas explicando que tinha decidido retirar-se mas estava ali porque entendi que era uma cobardia retirar-me numa altura em que todas as vozes são poucas para se fazerem ouvir neste país. O suficiente para arrecadar do público imensos aplausos e provocar muitas emoções.

O verso “só o que não se sabe é poesia” sugeriu-lhe dizer que talvez para fugir da poesia a saída é o poeta ter de fingir que é poeta, tornar-se fingidor, como disse Pessoa, fingir que é poeta, fingir que acredita que só o que não sabe é poesia. Há, com efeito, outras coisas que eu não sei e não são poesia. Tantas coisas que não sei e poesia são.

O escritor de Amares afirmou que não deixarei de eleger a poesia como caminho de humanização e instrumento de denúncia da imoralidade instituída.

Ainda hoje, às 22h00, decorre mais uma mesa de debate, a 5ª, que, ao contrário do previsto, não contará com Valter Hugo Mãe que por motivos de força maior não estará presente.

Acompanhe a 14ª edição do evento, minuto a minuto, no portal municipal.