Segundo João Tordo, a solidão e o outro são as características comuns a todos os seus livros: “essa alteridade talvez tenha a ver com o facto do meu irmão gémeo idêntico não ter sobrevivido. No fundo, passei a minha vida toda à procura de uma identificação que desapareceu. E se tivesse sido o Hugo a sobreviver e não eu?”. Apesar de não considerar a escrita uma forma de terapia, Tordo confessou que “não há nada mais divertido do que ver as minhas personagens a sofrer e saber que sou eu que tenho a capacidade de as tirar do sufoco. Há um lado de consolo e de refúgio nos livros e na escrita que me proporciona bem-estar e capacidade de, por um lado, ir progressivamente aceitando a vida de escritor como vida solitária, e, por outro lado, ir-me desmascarando através das minhas personagens e através das histórias”.

O escritor falou sobre o processo de A mulher que corria atrás do vento: “cresci num ambiente feminino. A minha família era constituída por mulheres, irmã, mãe, avó e tias-avós. Ou seja, passei a minha infância e juventude em pânico com a sensação que tinha que agradar a todas”. Apesar de estar tão familiarizado com o universo feminino, a adoção de um ponto de vista de uma mulher foi um grande desafio. “Mas foi precisamente esse exercício de ir buscar a minha infância que me ajudou muito a escrever este livro. O que senti é que, às tantas, já não era eu, era mesmo a Beatriz que estava a contar aquela história. E a sua maneira de contar a história era muito mais compassiva, tinha muito mais empatia do que normalmente tenho com os narradores que são masculinos”.

Licenciado em Filosofia, o escritor confessou não se lembrar da maioria dos temas abordados no curso mas que se recorda de Aristóteles e da sua definição de tragédia “com todos aqueles passos. Os passos mais engraçados são a audácia e a catarse, sendo a audácia aquele momento em que me desafio a mim próprio a uma nova obra, a um novo livro, e isso significa que tenho de escutar o coro de vozes que estão aqui dentro, a chamar, e depois, seguindo o processo, acaba por ser sempre catártico, no sentido em que muito daquilo que acaba nos livros já existia em mim, mas eu não sabia formulá-lo”. 

Ser escritor a tempo inteiro em Portugal não é fácil e João Tordo ainda não é um dos autores portugueses a pagar as suas contas apenas com a escrita, algo que espera que aconteça em breve. “Em Portugal não é um trabalho bem remunerado. Tens de gostar mesmo do que fazes. Felizmente, trabalho com uma editora que me dá muito apoio, mas continuo a ter de fazer muitas coisas além disso: dou aulas, faço traduções, apresentações públicas”. E um desses trabalhos é colaborar com a EC.ON – Escola de Escritas, vocacionada para o trabalho oficinal na tradição anglo-saxónica da escrita criativa, e que trouxe até ao Encontro de Escritores de Expressão Ibérica o Correntes Ícone.

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