No dia 27 de julho, a encerrar esta 35ª edição, o
FIMPV apresenta um concerto por L’Arpeggiata da tiorbista austríaca Christina
Pluhar – o programa partirá dos cantos greci-salentini do sul da Itália e viaja
pelas margens do Mediterrâneo à procura de conexões na Grécia, Turquia, Espanha
e Portugal.

Este
espetáculo contará com a voz da fadista Misia e terá lugar no Auditório
Municipal, às 21h45.

 

L’Arpeggiata

Adotando
o nome de uma toccata do compositor
alemão nascido em Itália, Girolamo Kapsberger, Christina Pluhar dava o tom que
presidiria ao destino do seu agrupamento vocal e instrumental, l’Arpeggiata,
que ela funda no ano 2000.

L’Arpeggiata
reúne artistas de diferentes horizontes musicais, estabelecidos de um e de
outro lado da Europa e do mundo, à volta de programas-projetos, sabiamente
preparados por Christina Pluhar ao sabor das suas pesquisas musicológicas, dos
seus encontros, da curiosidade que a anima e do seu incomensurável talento. A
sonoridade do agrupamento, que se constituiu à volta das cordas beliscadas, é
imediatamente identificável.

Desde a sua criação, L’Arpeggiata tem por vocação
explorar a rica música do repertório pouco conhecido dos compositores romanos,
napolitanos e espanhóis do primeiro barroco. O conjunto atribuiu como seus fios
condutores a improvisação instrumental e a pesquisa sobre o instrumentarium na mais pura tradição
barroca, assim como a criação e a encenação de espetáculos «acontecimentos».
Favorece assim o encontro da música e do canto de outras disciplinas barrocas,
indissociáveis no seu tempo, tais como a dança e o teatro, e a abertura para géneros
musicais variados, como o jazz e as músicas tradicionais.

Verdadeiros
convites para o sonho, os programas de l’Arpeggiata são surpreendentes,
inesperados, e dão ao barroco o seu sentido original: uma pérola de forma
irregular (século XVI), um elemento surpreendente (século XVIII). As obras da
época barroca oferecem a l’Arpeggiata um escrínio de liberdade onde desabrocham
os artistas vindos daqui e dali, em que se misturam géneros e tradições,
fazendo de cada concerto um encontro único.

L’Arpeggiata
colabora regularmente com grandes artistas oriundos quer da música erudita
barroca (Philippe
Jaroussky, Nuria Rial, Véronique Gens, Stéphanie d’Oustrac, Cyril Auvity,
Dominique Visse…) quer da música tradicional (Lucilla Galeazzi, Barbara Furtuna
…) ou de outros géneros, como o jazz, o flamenco ou o fado (Gianluigi Trovesi,
Pepe Habichuela, Misia), e apresenta-se desde a sua criação no seio dos maiores
festivais e mais prestigiados teatros da Europa e no mundo. L’Arpeggiata, que
faz cerca de cinquenta concertos por ano, está em residência na temporada
2011-2012 no Carnegie Hall New York e no Théâtre de Poissy.

Em Junho de 2011,
l’Arpeggiata estreou a ópera desconhecida de Giovanni Andrea Bontempi, Il
Paride
(1662) no Musikfestspiele Potsdam Sanssouci, numa encenação de
Christoph von Bernuth. A ópera foi novamente apresentada em Agosto de 2012 nos
Innsbrucker Festwochen der Alten Musik.

Tanto em França como no
estrangeiro, o trabalho de l’Arpeggiata é unanimemente e constantemente saudado
pela crítica e pelo público.
O penúltimo
álbum de l’Arpeggiata, «Los Pájaros perdidos», publicado em Janeiro de 2012,
foi dedicado às músicas tradicionais da América latina. Foi classificado, desde
a sua publicação, entre as melhores vendas de discos clássicos em França.

L’Arpeggiata
é apoiado pelo Ministério da Cultura – Drac Ile-de-France e pelo Conseil
régional d’Ile-de-France. Para os seus projetos, obteve o suporte de l’Onda, da Spedidam, de l’Adami, de
Culturesfrance e, durante seis anos, da Fondation Orange.

L’Arpeggiata é membro da Fevis
(Fédération des Ensembles Vocaux et Instrumentaux Spécialisés) e do PROFEDIM –
Syndicat Professionnel des Producteurs,
Festivals, Ensembles, Diffuseurs Indépendants de Musique.

Misia

Nasceu um dia (18) de Junho, na cidade do Porto, fruto de um caso de amor
sem a bênção de bons presságios: pai engenheiro, educado numa burguesia que
nunca veria com bons olhos o passado artístico colorido e saleroso da mãe
bailarina, espanhola, habituada a enquadramentos sociais menos formais. A menina,
Susana, começa assim a sua estranha forma de vida, entre dois mundos. Fado de
início, para continuar anos fora.

Boa aluna, mesmo dividida entre os dois lados da barreira, já com cada
progenitor de costas viradas. Mas os interesses da jovem são muitos: letras,
filosofia, talvez as artes. Falaram mais alto as artes… e Espanha, opção
natural para quem procurava outros ares. Mudou para terras do lado de lá da
fronteira, assentou arraiais em Barcelona. Abrem-se então os panos dos palcos,
de muitos palcos, em ruas boémias e canções de engate, cafés noturnos, espetáculos
em que se variam as músicas.

Era já Mísia, uma influência da avó, figura que sempre lhe faz nascer um
sorriso nos lábios, como quem lembra uma fada de força maior. A artista em
formação trabalhava tanto que aprendia músicas ao ritmo frenético e ávido da
“Broadway” de las calles mayores de Catalunha, sem nunca parar. Era
conhecida pela versatilidade; hoje um programa de rádio, amanhã uma pantalha de
televison, tudo ao som dos reportórios internacionais, cantando uma torre de
babel de idiomas e influências sonoras. As coisas até corriam bem, mas
cansou-se.

Mutatis, mutandis. Ala para Madrid, começar de novo, procurar outras
coisas. Período das viagens entre um show e outro, uma paragem geográfica e a
seguinte. Talvez fosse o desassossego de querer mais, talvez a necessidade de
aprender o que só os livros lhe davam, no meio do ruído e dos brilhos
exagerados dessas noites longas de cabarés dourados e salas de cantigas cheias
de fumos e gargalhadas abertas. Não bastava, como sempre.

Nesta procura, surgiram um dia as raízes do passado
que parecia distante, o fado popular das ruas mais típicas da cidade
invictamente paterna. O Porto, um porto… de abrigo, pausa para a viagem.
Seria este o caminho mais certo? Cruzou de novo a fronteira e o futuro. Voltou,
malas feitas e os olhos a sonhar, como sempre. Reinício, take número… (a quem
é que interessam as estatísticas? Somos gente… apenas). Decidida a procurar a
paz das raízes, de uma cultura que poderia finalmente situá-la entre pares,
fazê-la partilhar um grupo. A intenção era boa, mas as concretizações deram que
falar. Quem era aquela jovem de franja negra e olhos intensos que aparecia
assim desta forma, a querer saber o que era o fado sem pedir licença a ninguém.
Buscando a verdadeira tradição, sem se render à evidência nem confundindo o
genuíno com o conservador ou reacionário… Uma nova barreira para saltar:
entre os que viam o fado como mácula de um regime desfeito a toque de cravos e
os que se espantavam pelo ar arrojado desta mulher de pele branca, cabelo
preto, olhos em arco, às vezes de espanto.

Encontrou as respostas (ou
o princípio das respostas, porque as perguntas não ficaram por ali) na mudança
que os tempos tinham trazido a esta expressão musical urbana, onde cada tempo e
voz tinham deixado marca. Das origens mais formais foi buscar sustentação para
lançar outros voos. Juntou sonoridades (instrumentos que este género não ouvia
há muitos anos – o violoncelo ou o acordeão; o piano de vagares aristocráticos,
quando o fado ainda era de salão). E principalmente, descobriu um mundo novo de
palavras, um tesouro de frases sem rima obrigatória mas liberdades poéticas.
Círculo literário a que se vão juntando os mais importantes nomes da literatura
portuguesa: Lídia Jorge, Mário Cláudio, Eduardo Prado Coelho, Vasco Graça
Moura, Agustina, Saramago.