Numa conversa conduzida por Filipa Leal, a escritora que este ano foi homenageada na Revista Correntes d’Escritas revelou que no seu processo de criação, “quando a poetisa vem trazer aquilo em que eu sou melhor: a poesia, aí o livro ganha a minha marca, ganha a minha forma de ser, ganha aquilo que eu quero dizer aos outros e que nunca é desprovido de poesia. Quando a poetisa vem, começa a desorganizar-me e eu nunca a contrario”.

Maria Teresa Horta confessou que “sou muito exigente com a minha poesia” e “há um rigor absoluto na minha escrita”, contando que escreve em todo o lado e em vários papéis, que define como trabalho imediato. Depois, “há o trabalho suado que o poeta faz em cima do poema”.

Conhecida como uma das mais destacadas feministas portuguesas, Maria Teresa Horta contou que, quando chegou à escrita, não havia literatura no feminino, nem poesia erótica feminina. “A escrita foi interdita à mulher durante séculos. Não era permitido à mulher escrever e todas as que escreviam tinham pseudónimo masculino”.

Primeiro livro de ficção de Maria Teresa Horta, publicado originalmente em 1970, Ambas as Mãos Sobre o Corpo veio revelar que o imenso talento da autora não se limitava à poesia.

Conjunto de narrativas que, fundindo-se, se organizam num romance fragmentado, nele decorre o retrato moral e estático de “alguém” cuja existência larvar nunca se eleva ao nível do concreto ou nunca se individualiza no seio da existência arquetípica.

Livro de momentos, de grandes pausas iniciáticas, de silêncios expressivos, cristalinamente fantástico porque dominado pela compreensão introspectiva e por um intimismo sagaz, circula da narração omnipresente até ao campo raso da corrente de consciência, e cerca-se ou adorna-se de sucessivas deambulações pelos domínios da auto-interpretação, permitindo que o leitor se aperceba da solução de um estranho enigma: o da decifração do absurdo deste carácter poético e onírico, este nada, mulher ou sombra fantasmática de valores humanos que se ocultam em cada gesto, em cada segundo do decurso lentíssimo da vida.

Obra espectral e cruel, Ambas as Mãos Sobre o Corpo é porventura uma das mais inquietantes da moderna literatura portuguesa.

Acompanhe a par e passo o 15º Correntes d’Escritas, no portal municipal.