A “Mesa 6” tinha como tema “Coração de correntes desabitado: a poesia” e os seus intervenientes foram Elgga Moreira, Inês Fonseca Santos, Manuel Rui, Pedro Teixeira Neves, Uberto Stabile e Vergílio Alberto Vieira, contando com a moderação de José Mário Silva.

A assinalar os 15 anos do evento, a organização desafiou os antigos participantes a fazerem uma seleção de 15 autores que, nunca tendo estado presentes no Encontro, fosse obrigatório convidar. Dois dos nomes escolhidos participaram nesta Mesa, Elgga Moreira e Inês Fonseca Santos.

Elgga Moreira faz parte do conjunto de autoras escolhidas para escrever o livro Do branco ao negro, no cada escritora contaria uma história com uma cor. A autora refletiu sobre o tema da mesa e conquistou o público naquela que foi a sua primeira intervenção.

Inês Fonseca Santos disse que “o que pode ser mostrado não pode ser dito”. A convidada explicou: “heis o que coloca o poeta num dilema: ou se cala, aceitando o silêncio a abdicando da escrita, ou se mantém na demanda da espessura da palavra”. A escritora sublinhou que “amor e morte são talvez os temas mais recorrentes de toda a poesia. Funcionam para o poeta como o fogo funciona para o ferreiro, isto é, como o meio que lhe permite dobrar o ferro e moldá-lo. Amor é fogo, mas é também carne e dor. É a descoberta do outro, porque o que realmente importa é o mistério do encontro.É do coração que tudo nasce e que é no coração que tudo tende a instalar-se, até o Mal”.

Manuel Rui, presença habitual no Encontro, responsabilizou a corrente de “criar pensamento, criar poesia, criar ligação entre as pessoas nas horas difíceis”. O poeta afirmou que as correntes “não amarram, mas unem os amigos. As vozes dos amigos, as canções dos amigos, essas, são habitadas. Habitadas pela poesia, mistério das palavras que se ligam”.

“Não são estas as Correntes de coração desabitado. Estas são as correntes habitadas pelo coração da poesia, com impressões digitais das palavras de vários continentes, ditas em dois idiomas. Estas são as nossas correntes. As Correntes d’Escritas”, disse o poeta.

Pedro Teixeira Neves começou por dizer que a sua esposa desconfia sempre que ele, de facto, tenha participado num Encontro de Escritores quando regressa a casa, vindo da Póvoa de Varzim: “é que regresso sempre em muito pior estado do que parto. Pelo menos uma vez por ano posso provar-lhe que isto de escrever também tem a sua exigência”.

Sobre o tema “nunca se tratará de saber o que tu podes fazer pela poesia, mas antes saber o que a poesia pode fazer por ti. Podem colocar-nos uma mordaça, tapar-nos os olhos com uma venda, mas que podem fazer-nos ao coração para o calar?”. A poesia será, antes de mais, sentimento, um modo íntimo de pesar o mundo, também um modo de ler.

“Ser poeta é condenar-se a uma espécie de purgatório. Dentro do 0,01 do Orçamento de Estado que sobra para a cultura, quanto sobra para a poesia? Zero. Numa livraria em Lisboa, entrei e procurei pela secção da poesia. Não havia nem um livro. Nada. Porque diabo insiste um poeta, então, em escrever? Má sina, masoquismo? Não. Um poeta traz-se à perna de si mesmo porque hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de poesia. Num tempo de abismo como este, o mundo precisa dos poetas porque são aqueles que mais se abeiram do abismo. Como é sabido, só quem se abeira do abismo consegue olhar para cima, ver de novo, ver a luz com renovado olhar de espanto”.     

O convidado pensa que “para os escritores, além de serem lidos, também é gratificante serem ouvidos de quando em quando”.

Uberto Stabile lamentou não conseguir dirigir-se à plateia em português. Começou por classificar o Correntes d’Escritas como um milagre da homenagem à palavra. O escritor espanhol leu um diário de perdas, textos dedicados a poetas falecidos. “Vivemos num tempo desabitado, um tempo sem fé, um tempo que necessitamos reinventar para a poesia, para que continuemos a acreditar. Num tempo onde tudo tem um preço, a poesia é cada vez mais necessária e urgente”.

A intervenção de Vergílio Alberto Vieira foi inovadora. Utilizando imagens e música, o escritor disse que “o que é poesia para a vida senão reserva de amor, senão condição essencial àquele sentido da existência em que a relação com o incomensurável é a esperança?”. O escritor afirmou que “chegar à palavra é ser da palavra”.

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