O vencedor do Prémio Saramago 2013 sentou-se numa das secretárias da Biblioteca da escola e conquistou, na primeira frase, a atenção dos jovens. O burburinho – típico quando partilham o mesmo espaço perto de 60 crianças – silenciou-se, dando lugar à voz daquele escritor angolano e às suas histórias.

“Vocês gostam de ler?”, perguntou. A resposta chegou tímida. “Já percebi que não gostam. Gostam mais de estar na Internet. Mas não há mal nenhum nisso. Um tablet, por exemplo, pode ser milhares de coisas. Um livro só é um livro, mas esse livro tem milhares de coisas. Vai haver um dia que vocês vão ler uma frase, um parágrafo, e já não vão querer parar. Esse dia vai ser mágico”, disse Ondjaki.

Muitas das histórias partilhadas ontem à tarde disseram respeito à Avó Dezanove, uma das personagens dos seus livros e não só: “a Avó Dezanove existe mesmo. Tem 98 anos e chama-se Agnete”, contou o escritor. “Chamamos-lhe assim porque ela só tem 19 dedos. Fui muito feliz enquanto escrevi o livro Avó Dezanove e o Segredo do Soviético porque recordei muitos momentos que vivi, não só com ela, mas com a Avó Catarina e a Avó Chica, as suas irmãs. Parecia que elas me estavam a ditar o livro. Gostei muito de estar com as minhas avós enquanto escrevi aquela obra”.

Para Ondjaki, “um escritor colombiano ou angolano não é melhor que um escritor sueco. Muitas pessoas falam das cores de África e das histórias que os escritores africanos têm para contar. Não concordo com esta ideia. Toda a gente tem histórias para contar, em Angola ou em outro país qualquer. Não sei se existe uma vertente africana da língua portuguesa”, esclareceu.

Quanto ao Prémio Saramago e ao dia em que o recebeu, Ondjaki disse ter sido “confuso. Muitos fotógrafos, e eu não gosto de fotografias, muita emoção quando a Ana Paula Tavares, uma escritora muito conceituada e de quem eu gosto muito, leu um texto sobre o meu livro e depois um nó na garganta quando tive de agradecer a algumas que já não se encontram entre nós”. Esta distinção, “um Prémio bonito” como adjetivou, não o fará esquecer-se de que “os livros podem ser sempre melhores. Tudo o que fazemos pode ser sempre um bocadinho melhor e é importante que os escritores que recebem prémios não se esqueçam disso”.

Luís Diamantino, Vice-Presidente da Câmara Municipal e Vereador do Pelouro da Cultura, apresentou Ondjaki aos alunos como “um cidadão do mundo, um espelho do que os jovens de hoje estão a passar, ao ter que emigrar e chamar de seu outros países. Atualmente, Ondjaki vive no Brasil, mas viaja muito. Já o convidamos para estar presente no Correntes d’Escritas, uma família da qual já faz parte”.

Muitas perguntas e respostas depois, escutadas com uma atenção quase incomum, o encontro terminou: “quando uma pessoa fala e os outros ouvem como vocês o fizeram, eu tenho de agradecer”, despedindo-se, assim, o escritor.