À semelhança do que vem acontecendo há alguns anos, Rui Vieira Nery foi convidado para proferir a conferência inaugural do festival e como forma de demonstrar a gratidão do município pelo prestígio que o grande musicólogo lhe confere, Macedo Vieira comunicou a homenagem acrescentando que “tem sempre aqui um porto de abrigo na nossa cidade”.

E numa conferência intitulada “Händel na encruzilhada dos Barrocos musicais europeus”, Nery deu provas, uma vez mais, do excelente domínio da oratória e do universo musical.

Evocando os 250 anos da morte de Händel, Nery abordou a vida e obra do compositor alemão nascido em 1685, que pertenceu à geração final do barroco, tal como Bach, e cujo percurso profissional ficou marcado por uma atitude pós-moderna, no sentido em que absorve todas as tendências das diferentes escolas barrocas mas não as mistura, encruzilhando os barrocos musicais europeus. Cumprindo a vontade de seu pai, Händel vai para a Universidade estudar Direito mas o seu interesse pela música era manifestamente mais forte e torna-se aluno do principal organista de Halle, Wilhem Zachow e aos dezassete anos é nomeado organista da catedral calvinista.

Um ano depois, em 1703, Händel partiu para Hamburgo, na altura, um dos principais centros musicais da Europa e integrou a orquestra do teatro de ópera da cidade como violinista e depois como cravista. Em 1705, dirigiu a estreia da sua primeira ópera, Almira e no ano seguinte aceitou um convite para viajar por Itália, onde permaneceu três anos. As suas obras foram apresentadas em Florença, Roma, Nápoles e Veneza e, simultaneamente, Händel familiarizou-se mais com o género de óperas italianas e contactou com grandes figuras da música, como Arcangelo Corelli, Domenico Scarlatti e Gionanni Pergolese. Nesse período, compôs cantatas italianas, oratórias e óperas e obteve um enorme sucesso, especialmente entre os protectores da arte em Roma. Sobre esta fase do seu itinerário musical, Nery referiu que Händel “foi, para todos os efeitos, um compositor italiano. Em Roma foi romano e tornou-se a coqueluche do meio musical romano e começou a ter várias encomendas para compor”.

Nery 2009

A 16 de Junho de 1709, Händel foi para Hanôver, onde foi designado mestre capela da corte, mas ao receber um convite para escrever uma ópera (Rinaldo, 1711) em Inglaterra, pediu dispensa a Jorge I, Eleitor de Hanôver para seguir viagem para o país britânico. Quando obteve a autorização, foi para Londres e nunca mais voltou, o que aborreceu o Eleitor de Hanôver (ironicamente, com a morte da rainha Ana este viria a aceder ao trono de Inglaterra em 1714, como Jorge I, o que causou vários problemas ao compositor alemão). Rinaldo (1711) foi um grande sucesso da ópera italiana em Londres, com a qual Händel conseguiu conquistar o coração do povo inglês, assegurou Nery.

Por volta de 1717, a reconciliação de Händel e o Rei Jorge I aconteceu, numa festa real junto ao rio Tamisa e o compositor aceita um trabalho que lhe garante alguma estabilidade financeira e fá-lo compor música de acordo com o rito protestante anglicano, seguindo o modelo da música sacra inglesa. Em 1718, Händel conquistaria por completo as graças do rei, tendo este apoiado a criação da Royal Academy of Music para exibições de ópera que nos anos seguintes mereceram a atenção do público. Mas falhou como empresário e, desiludido com o teatro, passou a dedicar-se à oratória. Criou Ester (1732), Athalia (1733), Saul (1739), Israel no Egipto (1739), Sansão (1743), Messias (1742), a sua obra-prima em oratória que se revelou um verdadeiro triunfo, Judas Macabeu (1746), Salomão (1749) e Jefta (1751).

Em 1753, Händel cegou, vindo a falecer em 1759, em Londres, e foi enterrado na Abadia de Westminster com honras nacionais.

A sua obra, sem o rigor do compatriota e contemporâneo Bach, assentou na musicalidade inata do seu talento único que fez dele um dos compositores mais respeitados do seu tempo e uma das referências maiores para as gerações seguintes.

“Que os 250 anos da sua morte tenham como propósito ouvir música de Händel, pois esta é uma fonte de prazer inesgotável, garanto-vos”, concluiu Rui Vieira Nery.

Acompanhe o 31º Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, no portal municipal.