Rui Zink, Maria do Rosário Pedreira, Nuno Camarneiro, Luís Carlos Patraquim e Ignacio Martinez de Pisón foram intervenientes na sessão, conduzida por Carlos Quiroga. Valter Hugo Mãe, por imprevistos de última hora, não marcou presença como estava previsto.

A última intervenção foi de Rui Zink e foi ele quem arrancou mais gargalhadas do público, como já lhe é peculiar. Mas a brincar lá foi dizendo coisas sérias, como contestar o que algumas pessoas por vezes lhe dizem: “os escritores não devem meter-se na política, devem é escrever”. Pois, o escritor concorda que cada profissional deve dedicar-se a “fazer aquilo que faz bem”, mas vendo bem, acrescentou, “se o bombeiro deve dedicar-se a apagar fogos, se o sapateiro deve dedicar-se apenas a fazer sapatos, então, quem é que sobra para exercer o dever de cidadania, quem sobra para se manifestar?”

Rui Zink contrapõe a estes argumentos que “prefere conviver com escritores que são bons cidadãos” e ele próprio procura escrever e entrosar-se com o que se passa à sua volta e ser um bom cidadão, defendendo que “o nosso dever é ler e escrever com os olhos bem abertos”.

Maria do Rosário Pedreira está no Correntes d’Escritas desde 2001 e constatou que “raramente um poeta tem um público tão atento” como neste encontro, que, de resto, e ao analisar o impacto que o mesmo teve na sua vida, afirmou: “O Correntes d’Escritas é uma agência matrimonial disfarçada de encontro de escritores, porque foi preciso vir aqui para encontrar marido, aos 45 anos”.

O mote dos cravos levou Maria do Rosário Pedreira a focar-se numa foto de família dos seus tempos de criança, um quadro em tom “cinzento como o país”, que constituiu o ponto de partida para um rol de recordações dos tempos de infância e juventude, de histórias dos elementos da sua família (tem mais três irmãos), a maioria cheias de humor e bizarrices. Estas histórias foram passando por um Portugal dos anos 60, o país cinzento que floresceu com os “cravos colocados na ponta das espingardas que não dispararam um tiro” até à aquela pequena que estava na fotografia antiga atingir a idade adulta.

Durante todo este percurso de vida que apresentou ao público estava subjacente a reflexão que inquietava Maria do Rosário desde criança: “quais são os teus deveres para com a Pátria?” A pergunta foi feita num exame da 4ª classe, mas só em adulta, a escritora atinge a maturidade para descrever os seus deveres: “ler, escrever e dizer Não”. A intervenção da escritora originou uma ovação no Auditório.

Nuno Camarneiro também emocionou a plateia ao começar a sua intervenção com uma espécie de refrão do texto que leu: “Portugal é uma dor que me apanha isto tudo” (ao mesmo tempo punha a mão no peito).

E prosseguiu: “Já matei o meu país muitas vezes por palavras, atos e omissões. Não só lhe arranquei os cravos, como as unhas, os olhos e a memória, que é o que um país tem de mais valioso. Por exemplo, a memória dos Descobrimentos, que, se eu mandasse, tinham sido feitos apenas pelos espanhóis e não se falava mais nisso; ninguém poderia dizer: somos pobres, mas já fomos um grande império.

Gostava de ver regressar D. Sebastião só para lhe dizer algumas verdades, mover-lhe um processo por gestão danosa e vê-lo nos programas da manhã a explicar que fez tudo com a melhor das intenções e aguentar a lagrimazinha no canto do olho. Mas é essa lagrimazinha ao canto do olho que é o meu país. E é por isso que eu gosto dele, embora não gostando dele, o país do «Olha, vai-se andando», do «tudo se há-de arranjar»…”

O jovem escritor foi discorrendo em tom observador sobre os pequenos feitos e defeitos dos portugueses, defendendo a certa altura que “se a nossa Pátria é a Língua portuguesa, é importante que a mantenhamos limpa (…) como o temos feito durante estes 14 anos do Correntes d’Escritas”.

Ignacio Martinez de Pisón, o escritor que abriu a mesa, associou o mote “desse país arranquei todos os cravos” aos tempos de infância, nos anos 60, de uma Espanha dominada pelo franquismo, onde imperava o “provincianismo”, que levava a que os espanhóis tomassem como “superior” tudo o que chegava do estrangeiro, só porque era diferente e mais extravagante. Era o que acontecia, por exemplo, com as novidades trazidas pelos norte-americanos instalados na base aérea de Saragoça, cidade para onde foi viver com os pais, ainda jovem, após ter crescido na ilha de Logroño.

A intervenção do escritor passou ainda pelo fim do regime de Franco, pelas desavenças entre espanhóis por causa da mudança de bandeira até à atualidade em que a crise está a fazer vir ao de cima novas contestações já se voltando a erguer bandeiras, “por exemplo, na Catalunha”, sublinhou Ignacio Martinez de Pisón.

Luís Carlos Patraquim, que nasceu em Moçambique só porque os pais foram morar para lá, mas vive em Portugal e tem filhas portuguesas, como fez questão de explicar, considerou que o mote da Mesa é um verso bonito: “também gosto de cravos, têm a simbologia que sabemos, todos ouvimos nos últimos dias a ‘Grândola, Vila Morena’ com cabala ou sem cabala…”

O escritor afirmou que “a usurpação da verdade acontece cada vez mais e que a realidade parece que não existe”, acrescentando: “as palavras estão a ser conspurcadas”. Patraquim aproveitou para citar Afonso Cruz: “Salvem-nos da verdade absoluta”. O escritor alertou: “É preciso que nos salvemos da verdade absoluta que nos é vendida como a não existência de alternativas, tanto aqui como em Moçambique”.

Para terminar lançou o grito revolucionário: “Viva a Resistência; A luta continua!”

Recorde-se que foi Rui Zink quem terminou a sessão e deu conta de um novo vocábulo que Sara Figueiredo Costa colocou no facebook, a palavra ‘grandolar’, bem adequada depois dos últimos protestos com uma canção, “os portugueses são extraordinários, ainda por cima com uma canção alentejana”, vulgo, “lenta”, “nem sequer é com um rock”…

Também o escritor revelou que inventou outro termo linguístico: ‘tempos gasparianos’ ou se quisermos ‘gasparizar’. Rui Zink aproveitou o pé em terreno político para exigir da plateia que o ‘grandolizasse’, até porque ele é “doutorado e o ministro Relvas tem apenas uma licenciatura, portanto se ele teve direito, porque é que eu não tenho? Venha daí essa ‘Grândola’, vá!” A plateia do Auditório levantou-se e cantou a bons pulmões a canção da autoria de Zeca Afonso. Só faltaram os cravos…