Já é habitual o Auditório Municipal se assemelhar a um autocarro em hora de ponta, com pessoas acomodadas no chão, nos degraus ou encostadas à parede. Tudo para ouvir, para beber as palavras dos escritores convidados. Mas, nunca aquele espaço esteve como ontem à tarde. Talvez a presença de Rubem Fonseca, que se diz “tímido” e, por isso, nunca dar entrevistas ou gostar de aparecer, tenha chamado ainda mais público. O certo é que, nesta 1ª Mesa, ficou comprovado que o Correntes d’Escritas continua a motivar novos públicos.

Antes do início da Mesa, Francisco José Viegas, Secretário de Estado da Cultura, em nome do governo português, atribuiu a Medalha de Mérito Cultural a Rubem Fonseca. “Portugal deve aproveitar a oportunidade de Rubem Fonseca se encontrar entre nós para distingui-lo. Não há livro nenhum deste escritor que não fale do nosso país, onde não haja uma personagem portuguesa, a referência ao vinho, à gastronomia ou a um livro português. E numa altura em que se fala tanto de diplomacia económica, a melhor das oportunidades que Portugal teve e tem no Brasil é através do Rubem Fonseca. O Rubem Fonseca é um dos grandes criadores da nossa língua, um dos grandes mestres da literatura de língua portuguesa”, justificou Francisco José Viegas. O escritor brasileiro agradeceu o gesto, afirmando ser “mais do que merecido”.

Já sobre o tema que o trouxe a esta 1ª Mesa de Debate, Rubem Fonseca disse que “A Escrita é um risco total” e lembra a frase de um escritor americano: “Escrever é uma forma socialmente aceite de esquizofrenia”. E continuou, “bem, ele errou quando disse esquizofrenia. Na verdade, escrever é uma forma socialmente aceite de loucura” e, apontando para os seus colegas da Mesa, declarou: “vocês são todos loucos”.  Na sua opinião, a sua loucura é diferente da de Almeida Faria ou da de Eduardo Lourenço: “a loucura do Eduardo é maravilhosa, é escondida, discreta, mas não se enganem. Ele é louco”. Rubem Fonseca aconselhou: “leiam um texto magnífico de Michel Foucault que se chama A loucura e a escrita literária. E perguntou, “basta ser louco? Não, também tem que ser alfabetizado”. E quais são as outras características que um escritor tem que possuir? “Tem que ser motivado, paciente e imaginativo”.

Eduardo Lourenço disse que “de algum modo, um escritor – e eu não sou um escritor nesse sentido, nem, talvez, em nenhum – arrisca. Risco porque a pretensão da escrita é de ser mágica, um concentrado do sentido da experiência humana”. Para o ensaísta, “aquilo que continua a separar as diferentes culturas no mundo é a escrita, as civilizações que usam a escrita e aquelas que não o fazem”.

Para Almeida Faria, “a escrita é um risco total, mas a vida também é muito perigosa. A vida é tão perigosa como a escrita, que nunca consegue alcançar a riqueza, a complexidade e ao quão fantástica é a vida humana. Viver é um milagre.

Eduardo Lourenço diz que cada livro é uma urgência de magia, mas cada ser humano também é uma urgência de magia”. O escritor afirmou que “não conseguiria viver sem escrever. Cada página, cada frase, cada livro é realmente um risco, pois nada nos garante que depois de uma frase boa, não saia uma frase sem melodia, escabrosa”.

Ana Paula Tavares falou sem texto. Há muitos anos que participa no Correntes d’Escritas e esta foi a primeira vez que o fez. “Pensando neste tema, e eu que nunca gosto de falar de mim, resolvi falar-vos sobre os riscos da minha vida”. A escritora angolana perguntou “porque é que não casei com um merceeiro, levei umas chapadas na cara e tive uma data de filhos? Esta seria uma vida normal no sítio onde nasci”. Ana Paula explicou que “toda a vida contrariei essa dita vida normal. Só por isso é que vim aqui sem texto, despida dessa muleta. Para mim, a escrita foi essa escolha. A escolha entre ser ou não normal. E, sem querer, desencadeei uma série de equívocos que, mais tarde, percebi: afinal, havia risco”.

Hélia Correia disse sentir-se “esmagada pelos colegas convidados para esta Mesa de Debate”. A escritora falou dos riscos da escrita, nomeadamente dos escritores suicidas do século XIX. Mas, hoje, “haverá algum risco na literatura? Certas artes foram criando riscos, principalmente as artes ténicas. Mas, a literatura não tem arriscado tanto assim. A literatura continua no seu espaço de conforto”.