Sem se deterem no seu falso lamento, gritado a plenos pulmões, os dois homens circulam até perto das fontes do Largo do Passeio Alegre, onde dois holofotes e umas filas de cadeiras já ocupadas, indiciavam que algo se ia passar. Assim chegava, ontem à noite à Feira do Livro, “O Velho da Horta”, peça de Gil Vicente, do ano de 1512, devidamente adaptada ao espaço e ao público da actualidade pelo Teatro Ágil.

Durante cerca de uma hora e recorrendo a adereços simples, como perucas e casacos, que milagrosamente foram saindo do que antes parecia um caixão, os actores Gil Filipe e Nuno Loureiro vestiram a pele das delirantes personagens desta farsa vicentina. O público participou, deixando-se seduzir por uma história mordaz e divertida, que põe a ridículo um velho que se apaixona por uma jovem. O tema é, pois, o do velho apaixonado, que anda a tratar da sua horta. Uma jovem vem ali para colher “cheiros para a panela”. O velho corteja-a e ela resiste. A alcoviteira Branca Gil, vendo nele uma presa fácil, consegue extorquir-lhe todo o dinheiro que pode levando-o a acreditar que lhe abrirá caminho até ao coração da jovem. Mas um alcaide prende Branca Gil, que será vergastada como merece. E o velho vem a saber que a rapariga por quem está apaixonado já se casara com um “noivo moço” que “não tirava os olhos dela”.
E com esta trama, aparentemente tão simples, pôs Gil Vicente em contraste a força da juventude e o declínio da velhice que, ainda por cima, acaba posta a ridículo, uma vez que a jovem se casa e o velho libidinoso acaba por ser escarnecido.
“O Velho da Horta” foi um excelente momento de teatro, inserido no programa de animação da Feira do Livro da Póvoa de Varzim, que está a decorrer no Largo do Passeio Alegre até dia 15 de Agosto.