Como definiu o moderador, Manuel Alberto Valente, esta foi uma “mesa manca” porque dois dos convidados anunciados não estiveram presentes. Participaram Bruno Vieira Amaral, David Toscana e Filipe Homem Fonseca.

Filipe Homem Fonseca revelou que o que mais o prendeu no poema de Sophia não foi propriamente o verso escolhido para a mesa, mas antes “Continuam as vozes diferentes/ Que intactas no meu ser estão suspensas” e abordou a questão de, na literatura, não se saber “lidar com o empecilho do eu”, muitas vezes avesso à criação e à compreensão de outras realidades.

Na sua opinião, “a melhor maneira de nos conhecermos a nós próprios será talvez perdermo-nos no território do outro e levar mais longe a ideia de empatia, a ideia de nem sequer aproveitarmos a escrita para compreendermos coisas acerca de nós próprios, ser um passo que se dá em direção à compreensão se não do outro, mas nos territórios do outro. Só se deve escrever sobre aquilo que se sabe e conhece”.

Para o autor de A Imortal da Graça será muito mais gratificante “enveredar pela escrita de territórios que nos são completamente estranhos e alheios e na busca de um decifrar dessas realidades que nos são totalmente avessas e estranhas ter como subproduto desse entendimento que acontece durante o processo de escrita uma construção de nós próprios. É o que tento fazer”, revelou.

David Toscana começou por dizer que o verso de Sophia era muito otimista pois “tudo se perde em mim” e, neste sentido, dedicou a sua comunicação à memória: “quando penso no que se perde através do tempo, sobretudo penso na memória”.

O escritor mexicano transmitiu que “a leitura tem muito a ver com prazer, mas esse prazer perdura mesmo quando já não se tem memória. A primeira literatura foi a poesia que não só tinha a intenção da beleza das palavras, mas também de guardar as coisas na memória. E todo o exercício de recuar a certos clássicos da literatura é importante”.

David Toscana referiu que “pode ser duplamente maravilhoso não ter memória porque voltamos a ler um livro como se fosse a primeira vez”, advertindo que, no entanto, “a literatura – poesia é algo que podemos guardar e não perder nunca”.

A propósito daquilo que se perde, Bruno Vieira Amaral considera “fundamental para dar valor áquilo que guardamos. Valorizamos as coisas de que nos lembramos porque há um oceano infinito de coisas de que não nos lembramos. Por isso, é tão preciosa a memória”.

Recorreu às memórias da infância e constatou que há muitas coisas das quais só nós nos lembramos e vão morrer connosco, acrescentando que os escritores escrevem para que as coisas perdurem para lá de nós.

“Ainda, hoje, se fechar os olhos por momentos, regresso a essas manhãs e a essas tardes e o que veja são pedaços de realidade que aderiram à minha memória com a força que a maioria dos acontecimentos exteriores não tem… e nada restará quando eu morrer”, partilhou Bruno Vieira Amaral.

Terminou, dizendo: “que o salto das minhas brincadeiras infantis para o sentido da vida não vos parece exagerado. Talvez esta seja uma boa medida de tudo o que se perde de cada vez que um ser humano morre e leva consigo as constelações de sonhos que nunca comunicou”.

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