O texto que Maria Teresa Horta escreveu, e leu hoje a propósito do tema “A Literatura é o sentido último das coisas”, encantou o público,
que encheu o Auditório Municipal para assistir à última mesa do Correntes d’Escritas. “Com as palavras da escrita… tão inquietantes, imprudentes e determinadas… Como mulheres libertárias em busca daquilo que é voo, é tacto, é sopro. Mantendo-se inquebrantáveis em busca do cerne, da nascente, do grão de voz, da ‘coisa’… imponderável”, continuou a poetisa. “Quando escrevo, ardo de desejo. Perecível, vulnerável, mortal – ardo de desejo em relação ao texto, em relação ao verso, em relação ao poema, em si mesmo chama. Sendo a literatura um imenso incêndio, que tudo transfigura”, confessou Maria Teresa Horta.

Hélia Correia “utilizou” o seu tempo para homenagear Maria Teresa Horta, pessoa a que está ligada por um “amor profundo”. “É uma homenagem de uma leitora a uma escritora. Há sempre uma ovelha negra numa família. E como o Correntes d’Escritas é uma grande família, vou ser traquinas e fugir ao tema. A Maria Teresa Horta merece esta homenagem”, explicou Hélia Correia.

José Manuel Fajardo brincou, dizendo que “Francisco Guedes e Manuela Ribeiro divertem-se a escolher temas provocatórios para as mesas. E este tema é incómodo, mas tudo o que é um incómodo é um estímulo.” Fajardo explicou que “há 20 anos teria respondido sim ou não. Hoje tenho uma atitude mais maleável e digo que não sei se a literatura é o último sentido das coisas.” O escritor afirmou que “quando somos crianças adoramos que nos mintam, que nos enganem. Adoramos que nos contem as mesmas histórias vezes e vezes sem conta. Mas tem que ser a mesma história, com todos os pormenores, para que a história faça parte de nós. Esta necessidade continua na vida adulta e pode transformar-se em amor pela leitura, por filmes, por teatro, por séries de televisão. Esta necessidade acompanha-nos pelo resto da nossa existência.” Fajardo sublinhou que “a qualidade de um livro não se vê pelo número de vendas. O literário e o editorial nada têm em comum. Não me lembro de se falar no editor de Homero ou dos primeiros editores da Bíblia.”

“A filosofia é o último sentido das coisas, não fosse eu professor de filosofia…” brincou Miguel Real. Para o escritor não é possível conhecer a história de Portugal sem a literatura: “como conheceríamos a corte de D. Manuel sem a obra de Gil Vicente? Como saber quando a burguesia surgiu em Portugal sem ‘Viagens da minha terra’, de Almeida Garrett?”

Xosé Maria Alvarez Cáccamo contou que “a primeira coisa que fez quando me disseram o tema para esta mesa foi procurar o significado de último no dicionário.” O escritor brincou afirmando que “não há sentido último das coisas, há um sentido primeiro que é o Big Bang.” Para Cáccamo “a literatura tem a capacidade de aproximar-nos das zonas obscuras da nossa existência. Tem uma capacidade libertadora, de transformação do leitor. É um instrumento de interrogação que nos devolve novas perguntas.”

A Onésimo Teotónio de Almeida coube a última intervenção, com o humor característico do autor que arrancou gargalhadas ao público. “Será que nos tempos de crise de atravessamos a literatura é o que nos vai salvar?”, perguntou Onésimo. “Não há respostas, apenas histórias.” E não faltaram histórias… “Um neurónio sentia-se muito solitário no cérebro de um homem, até que outro neurónio apareceu e disse: ‘não fiques assim. Só vim aqui buscar gelo. Estamos todos lá em baixo, na cabeça, numa grande festa. Anda comigo.” Ou esta: “um dia estava no aeroporto com a minha mulher. Estávamos sentados a ler. Como o livro era em inglês, um senhor pensou que seríamos estrangeiros e disse: ‘coitados, não têm nada para dizer um ao outro’.”