A mesa do Correntes d’Escritas, esta manhã de sábado, dia 24, captou o interesse de muitos visitantes no Cine-Teatro Garrett para ouvir as opiniões de João Paulo Sousa, Ungulani Ba Ka Khosa, Carmen Yáñez, Cristina Norton e Álvaro Domingues.

João Paulo Sousa percorreu algumas abordagens de escritores de várias nacionalidades que procuraram a imparcialidade com o artifício de o narrador dar-se a conhecer de forma indireta ou de se usarem múltiplos narradores, bem como outra corrente de uma presença obsessiva do eu na narrativa. Impossível ser imparcial na escrita? Bem pior, frisou o escritor do Porto, “inverosímil”.

Carmen Yáñez, vinda do Chile, despertou as emoções da plateia ao iniciar a sua intervenção com um poema. A escritora refere que a escrita é um projeto de vida, de caráter espiritual, pelo que imparcialidade é algo que não condiz com esta postura. Eventualmente, pode considerar-se imparcialidade o ato do autor se distanciar do que escreve e se auto censurar.

Ungulani Ba Ka Khosa classificou o tema da mesa de “escorregadio”. Admite que imparcial, ou o que não toma partido, se possa encontrar no jornalismo. O escritor moçambicano referiu-se então aos “textos circunstanciais, na gesta nacionalista”, textos “muito alinhados com o pensamento dominante, parciais na linha do tema proposto”.

O autor moçambicano destacou que “um dos poucos, senão único, em que a imparcialidade não silenciou a escrita foi ‘Mayombe’ do angolano Pepetela; um livro marcante na gesta nacionalista”. Khosa concluiu afirmando que o autor, “cidadão comprometido” ao tentar interferir com o narrador “mata a escrita ou silencia a escrita”. “O narrador tem que ser independente do autor para que o texto grite a sua independência”, sublinhou.

A argentina Cristina Norton começou por dizer que foi ver ao dicionário o significado de “imparcial” – ser justo, neutro e desapaixonado. Por isso, é lógico, segundo a autora, que é “impossível pedir a um escritor que seja desapaixonado, sem paixão não há escrita”.

Cristina Norton admitiu que é “uma grande mentirosa”, pois para escrever tem que usar toda a sua habilidade de contadora de histórias, utilizando todos os argumentos possíveis para convencer o leitor da veracidade da narrativa. Nesta perspetiva, “o escritor não pode ser imparcial”.

Álvaro Domingues, geólogo de profissão, também autor estreante no Correntes d’Escritas, referiu que “quando perseguimos a imparcialidade, muitas vezes, tão preocupados com isso, entra-nos pela janela um desastre completo da ilusão de que estamos a construir a imparcialidade”. E lembra que diziam do inventor do comboio que, “ele sabendo que tinha inventado o comboio, sem saber tinha inventado o descarrilamento”.

Terminando o debate, o jornalista João Gobern suspendeu as funções como moderador, entregando a carteira de jornalista por três minutos, para dar também a sua opinião: “a imparcialidade para mim é cinzenta, é morna, é mole e tem tanta expressão facial como o Arnold Schwarzenegger ou o Sylvester Stallone nos filmes…”

O fim do painel foi mesmo o pedido de Gobern de “um minuto de silêncio pela imparcialidade”, que se cumpriu com rigor na sala principal do Cine-Teatro Garrett.

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