CE – Este ano temos a presença de Adolfo Garcia Ortega para participar num debate…

 
AGO – Estou aqui para participar no debate sobre a escrita como efeito perverso…

 
CE – E como vê a perversidade na escrita?

 
AGO – A perversidade na escrita vejo-a como uma fatalidade para o escritor e para o próprio leitor. Tudo nos livros leva o ser humano a pensar em realidades diferentes, a pensar em valores que são incómodos em relação ao pré-estabelecido… O escritor não se acomoda ao poder nem ao convencional.
Por outro lado, a escrita é perversa porque “destila” no leitor o “veneno” da leitura…

 
CE – Como assim?

 
AGO – O escritor tem de fazer duas coisas: em primeiro lugar, para alimentar a Grande dama que é a Literatura ele deve, ou melhor, tem de ser muito exigente. Por isso é que, quando o escritor se acomoda, se “aburguesa”, ou não tem medo, isto é, quando acha que domina perfeitamente a escrita, então é ele que acaba por ser dominado, subjugado, por essa Grande Dama que é a Literatura. E isso é que é a Fatalidade…
Por outro lado, ele sabe que o “veneno” da Literatura o leva a querer mais e mais livros. E agora, digo-lhe algo que não disse na mesa: há um momento em que o leitor tem a sensação que já leu tudo. E, contudo, continua a comprar, a ler, a escrever, sempre em busca do fascínio da primeira vez…

 
CE – É como uma dependência, uma droga ou o vício da roleta…

AGO – Pavese dizia que “escrever é como um vício absurdo…” Porque é algo que não é exactamente como a cocaína, que produz um prazer imediato…Na Literatura, não. Nada é imediato. Quando escreve um livro o escritor sempre se pergunta no final: “E agora o que é que eu faço?” Bom, pois, é nessa altura que deve perguntar-se a seguir: “Conseguirei escrever outro?”. E aqui é que está o perigo: muitos escritores julgam ou estão convencidos de que a Musa os abandonou…

 
CE – Como Hemingway (antes do suicídio)…

 
AGO – Como Hemingway…