CE – Como surgiu a sua presença no Correntes d’Escritas de 2008?

JM – Fui convidado este ano pela primeira vez. Vou apresentar o meu livro, intitulado Romance – Novela. É um livro de ficção que fala da distinção entre estas duas formas de escrita, passando ambas pelo mesmo segmento. A novela traduz-se numa narrativa de fio contínuo, onde existe uma personagem que é narrador; o romance é uma trama complexa de ficções que se cruzam e interpenetram. Já a novela tem um desenvolvimento linear, uma estrutura simples.

CE – Qual foi o seu último livro publicado?

JM – O último foi publicado pela Âmbar, chama-se Notícias do Labirinto e a temática principal é o tecido da existência contemporânea, de carácter sobretudo político e filosófico; é a reconstituição de um pedaço de vida, incorporando várias regressões ao passado e do passado ao presente.

CE – E o próximo livro a publicar de Júlio Moreira?

JM – Estou a trabalhar no meu próximo romance. Debruça-se sobre o problema da identificação do indivíduo e do problema da crise dessa mesma identidade individual.

CE – E qual o livro que está a ler actualmente?

JM – Leio, agora, imensos livros de ensaio e consulto especialistas para a construção do romance. Sabe que foi na Alta Idade Média que surgiu o conceito de identidade individual?

CE – Qual o título do romance?

JM – O livro que estou a escrever tem o título provisório de Deslumbramento.

 
CE – E de que se trata?

JM – Trata das pessoas que se deslumbram com o sucesso, com a projecção da sua imagem a um nível superior  à sua situação real. Isto nota-se, por exemplo, na política. É extremamente importante para quem escreve ter uma vivência rica. Mas há algumas excepções, como Borges, que tinha uma vida virtual. É muito importante a “bagagem” que se tem ao escrever um romance. É a partir daí que nasce a verosimilhança das coisas que são contadas. A vivência literária não substitui a visão trazida pelo outro processo – a rua faz o livro (sic).

A literatura também tem o papel de transformação e desenvolvimento social das pessoas.

Depois há, também aquela literatura “de aeroporto”, “de metro”, sem qualquer interesse, que serve apenas para destruir as pessoas, não acrescenta nada de novo, são livros sem qualquer significado literário…

CE – A sua vida é dedicada exclusivamente à literatura?

JM – Já tive outras profissões – arquitecto paisagístico, o que se coaduna muito bem com a actividade literária. Se fosse advogado, seria incapaz de escrever ficção. A arquitectura também é criativa o que traz uma grande compatibilidade entre as duas actividades. A escrita tem sobretudo uma função social.

Muitas vezes, ao criticar um sistema que se considera como a expressão de uma utopia, está-se na realidade a criticar a utopia em si…o que acaba por ser utilizado pelos “inimigos” dessa mesma utopia, roubando-lhe o seu significado ou sentido original.

CE – Como fez Beethoven, a propósito da Revolução Francesa?

JM – Sim…e acabou por se desvalorizar a Revolução Francesa e não Napoleão e a sua “Assembleia de Tiranos”…

CE – Relativamente a 1974 e, falando ainda em utopias, crê que a democracia se está actualmente a deteriorar?

JM – Para mim, neste momento, não há democracia. Aliás, a democracia entrou, neste momento, em estado de falência. O que, na realidade, sobrevive são certas formas (ou características) próprias de um estado democrático: a escolha de um governo através de eleições periódicas – de momento, as pessoas são livres de fazer as suas escolhas – ; certas leis que, na sua essência correspondem à utopia democrática mas que, na sua forma de aplicação, se desviam dessa mesma ideia democrática; e, por outro lado, verificamos que, ao falar de liberdade de expressão, apercebemo-nos que os meios de comunicação social, pertencem a grupos económicos cada vez mais concentrados, centralizados e unificados nos seus objectivos.
Por outro lado, a escolha de um governo é sujeita a normas de mercado. As pessoas são induzidas a escolhas que não correspondem a uma verdadeira liberdade de escolha, mas antes a condicionalismos impostos pela publicidade, onde o orçamento para uma campanha é decisivo.
O que sobra da democracia é uma melhor qualidade de vida em geral, mas há, simultaneamente cada vez menos direitos reais e efectivos. E a tendência é para se perder cada vez mais o sentido de segurança, da existência, o equilíbrio entre as classes. Isto implica uma maior instabilidade social que acaba por se tornar extremamente perigosa…
Esta pressão sobre as pessoas destrói a autocrítica, as pessoas estão infantilizadas, devido à massificação, exercida pelos media. E com isto, a pessoas acabam por ser obrigadas a adaptar-se a uma realidade que não é a delas…