A segunda tarde do Correntes d’Escritas começou com uma jovem e animada mesa de debate, no Auditório Municipal.

Pessoa, ou melhor, Alberto Caeiro, deu o mote à discussão. Em causa o verso “Passo e fico, como o universo”. Umas vezes divergindo, outras convergindo, conversaram os escritores Bernardo Carvalho (desgostosamente carioca a viver não muito gostosamente em São Paulo), Germano Almeida (vindo da Ilha da Boavista, sempre bem dispoto), o espanhol e não menos divertido Isaac Rosa, João Tordo e Tânia Ganho (dois jovens escritores portugueses). Uma “mesa de ficcionistas”, como a descreveu Carlos Vaz Marques, o provocante moderador do encontro.

Como é costume nestas mesas, não é possível tirar uma conclusão final. “Cada um de vós pega no tema de uma maneira completamente diferente”, referiu um membro da organização que estava a assistir. E assim foi.

Numa fase inicial, o verso do heterónimo de Pessoa foi interpretado por cada um dos escritores à sua maneira, numa exposição solitária e em monólogo.

Para Tânia Ganho, quem escreve é “actor e encenador” e tem a possibilidade de vestir várias peles, de viver várias vidas e personagens, de poder ser quem não é.  Contou um episódio que a marcou especialmente, quando num lançamento de um livro seu uma jovem lhe disse que aquele livro tinha mudado a sua vida. “O livro é uma parte de mim. Enquanto o objecto durar, eu fico”.

João Tordo concebeu a ideia de duas mortes: a física e a do esquecimento, admitindo que “o que o escritor pode desejar é resgatar-se dessa segunda morte”. Na sua opinião, o “passo e fico” de Caeiro (equiparado ao rio que passa e às pétalas que caem) traduz-se no resgate da morte, levado a cabo pela literatura.

Isaac Rosa explicou como passou muito tempo a pensar no assunto, dizendo mesmo, em modo de gracejo, que o verso de Caeiro irá ser o título do seu próximo romance. Manteve o tom humorístico ao contar como julgou que o título em questão seria um tema tipicamente português, dada a imagem que os espanhóis mantêm dos seus vizinhos ibéricos como a de sendo um povo triste. “Está muito claro, vais falar de internet”, sugeriu-lhe um amigo. Mas Isaac Rosa não seguiu este conselho. Num registo mais sério disse que uma possível abordagem deste assunto seria a comparação a António Machado, poeta espanhol contemporâneo de Fernando Pessoa. Mas no que o escritor centrou realmente a sua exposição foi na ligação autor/leitor. Mostrou tristeza ao sentir, como leitor, que os romancistas não têm uma preocupação em escrever para quem os lê mas sim para si próprios ou para as massas. A preocupação com o leitor é algo, no entanto, que diz encontrar nos poetas. “Ter leitores implica ter responsabilidades”.

Bernardo Carvalho tomou uma posição bem mais fracturante, ao expressar o seu desagrado pelo verso. “O verso me irritou muito”. Caeiro “dá um sentido à poesia como se fosse uma actividade natural (…) e para mim a literatura é o oposto disso, é a dificuldade, a luta, a conquista”. E foi neste ponto da conversa que, inesperadamente, afirmou que o verso é realmente sobre a internet, no sentido em que, na rede, tudo é natural, dado, sem necessitar de conquista. “O que acho interessante na literatura (…) é o contrário desse verso: o poeta escreve porque sabe que passa e não fica”.

Quem fechou a primeira ronda de declarações foi Germano Almeida. Admitiu que teve muitas dificuldades em encarar o tema, tendo proposto uma parceria a Tânia Ganho, que recusou. “O seu sorriso [referindo a Tânia Ganho] tem tanto de cândido como de egoísta”, gracejou. Preferiu então transformar o verso do mestre Caeiro numa pergunta, tendo chegado à conclusão que a possibilidade de passar e não ficar é um medo dos humanos. No entanto, não é um medo seu. “Escrevo pelo prazer de escrever (…) Não acredito em passar e ficar com o universo, não acredito na vida para além da morte (…) Fico contente se me disserem que se riram a ler os meus livros”.

No fim desta exposição inicial e antes de dar lugar às perguntas da assistência, o moderador inseriu um novo conceito – a convicção. Foi de consenso geral que é algo que é necessário para publicar livros, no entanto, nem todos os escritores presentes na mesa estavam com o suficiente “grau de convicção”. Isaac Rosa admitiu ter “pouca convicção”, Bernardo Carvalho anda com “pouquíssima convicção” e Germano Almeida, num gradiente decrescente, afirmou “Para lhe dizer a verdade, a minha convicção é nenhuma”.

O debate terminou com o habitual intercâmbio de ideias com o público.

Texto e Fotografias: Ágata Ricca