Cada palavra é um pedaço do universo. Foi com esta frase que encerrou o ciclo de mesas da 11ª edição do Correntes d’Escritas.
Habituada a moderações, Maria Flor Pedroso deu a palavra a Mário Zambujal, Milton Fornaro, Rui Zink, Ricardo Menéndez Salmón e Onésimo Teotónio de Almeida, numa mesa onde se sentiu a ausência de Luandino Vieira.

Mário Zambujal, eterno contador de histórias, abriu a sessão. “A tudo o que o homem conhece atribui um nome logo são pedaços” . Referindo-se à linguagem oral, o autor da Crónica dos Bons Malandros teorizou em torno da palavra coisa. “O homem inventou uma palavra fantástica que é a palavra coisa (…) que não quer dizer nada e quer dizer tudo”. No entanto, Mário Zambujal disse que quando se passa para a linguagem escrita, normalmente, sente-se a necessidade de dar  nome às coisas.

Definindo-se como “um velho jornalista que conta histórias”, explicou que as notícias devem ser feitas com uma escrita clara, utilizando o mesmo método ao passar para a ficção. “Um livro é um acto de comunicação”. No entanto, o escritor também gosta dos livros que precisam de ser lidos com calma. “O que me parece imprescindível é a qualidade”. A partir daqui, as histórias foram-se atropelando umas às outras, cheias de humor e boa disposição.

Finalizou a sua intervenção fazendo a distinção entre escritor, que considera “um rótulo” e autor, que é a pessoa que faz algo.

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Seguiu-se a vez de Milton Fornaro que, para apresentar o seu ponto de vista, utilizoiu o Genesis, onde Deus cria o mundo, defendendo que o criador antes nomeia e só depois cria. Assim sendo, a palavra é o príncipio a partir do qual se criou o universo.

Refutou ainda a ideia de que uma imagem vale mais do que mil palavras e considerou que os poetas “estão (…) condenados à palavra”, não podendo ficar em silêncio. A sua explanação foi sempre pautada pelas “palavras, sempre as palavras”.

 mesa 9 a

Já para Rui Zink, o bom da palavra é poder-se não dizer nada, porque “o próprio silêncio é uma palavra e, por sinal, uma palavra bem bonita”. Com uma apresentação original, explicou como a utilização de palavras é importante no desenvolvimento das pessoas.

Recorreu também ao Genesis mas duma forma bem diferente do colega anterior. Zink prefere compreender o capítulo bíblico como sendo “a história de um bebé, antes e depois do ventre”. Assim sendo, começou a descrever o processo de crescimento e compreensão de um novo ser humano: nos primeiros anos de vida, o bebé é feliz, não tem de fazer nada e todos lhes fazem tudo. Mas à medida que vai crescendo vai percebendo que “a qualidade do serviço não é assim tão boa”. Os “estúpidos” dos adultos começam a não perceber o que os bebés querem, porque não distinguem os berros. “Então percebemos que se articularmos os sons de forma diferente”, as pessoas começam a perceber e a fazer o que é pedido. É ai que surgem os “sons mágicos, cabalísticos que fazem as coisas aparecer”, tornando “o universo (…) mais prático e acessível”. O universo começa aqui, até atingir um nível mais elevado – a escrita, dado tanto o universo interior como o exterior estarem sempre em expansão. Assim sendo, “no início não está o verbo” mas sim “o berro”.

Terminou demonstrando como as palavras têm capacidade de transformar as coisas em boas ou más. “Todos os dias podemos criar ou descriar o universo”.

Ricardo Menéndez Salmón centrou a sua intervenção no nada e nos seus poderes. Para o escritor, este tema proposto à mesa tem uma tautologia, não lhe tendo ocorrido nada acerca do assunto. Assim sendo, o cerne do discurso transitou para o nada e para a forma como muitas pessoas passam pela vida sem fazer nada, “nadeando de fomar constante”. Falou ainda de como é terrível para um escritor quando quer escrever e não lhe surge nada. “A única palavra que pode defenir o meu trabalho é o nada”.

Para fechar a mesa, Onésimo Teotónio de Almeida. Outro exímio contador de histórias, invocou Eugénio de Andrade, Goethe, que dizia que “quando faltam ideias as palavras dão muito jeito”, algo que “os políticos aprenderam muito bem”, Manuel Alegre, quando escrevia no tempo em que “a palavra era uma arma” e o “significante carregava-se de significado”, entre outros. No entanto, admitiu que já não olha para o tema com os olhos de quando tinha 18 anos. Agora, considera as palavras “meros pedacinhos de ossos”. E quando pensa em pedaços ou pedacinhos fá-lo de forma negativa, prejurativa. “As história [que conto] são para ver se as minhas palavras perduram em mais um pedacinho de universo”.

E foram todos estes pedacinhos do universo que preencheram a última tarde do Correntes d’Escritas 2010.

Texto e fotografias: Ágata Ricca