Mais uma mesa de debate marcou o final da tarde de sexta-feira. “A literatura perverte a imaginação” foi a frase que deu o mote a uma dissecação da ligação entre realidade, imaginação, verdade, mentira e literatura.

Para Leonor Xavier, uma das autoras presentes na mesa, a palavra mais curiosa da expressão em debate é “perversão”, por isso, tratou de ir procurá-la ao dicionário. Percebendo que a palavra é sinónimo de tornar mau ou corromper, conversou sobre o assunto com alguns amigos. Não perverte mas “subverte e por aí fora, podemos pôr todo o género de sufixos e prefixos”, foi a primeira conclusão a que chegou. No entanto, terminou a sua intervenção afirmando que não sabe “se perverte, se subverte, se potencia, tudo isto é muito complicado”.

Também para Gonzalo Celorio, a “perversão” deu que pensar. Na sua intervenção, o mexicano apresentou duas perspectivas distintas. Em termos editoriais, o escritor concorda com a frase que serviu de tema à mesa, uma vez que “boa parte da narrativa de hoje em dia sacrificou a imaginação”. Já em termos conceptuais, tem uma opinião contrária. “A literatura e a imaginação é que pervertem a realidade”, afirmou Gonzalo, acrescentando ainda, que numa aliança para construir um discurso, literatura e imaginação não só pervertem mas convertem, advertem, invertem, subvertem e divertem a realidade.

Estabelecendo uma outra ligação entre imaginação, realidade e literatura, Manuel Jorge Marmelo falou da sua experiência pessoal. “Mais do que a imaginação, a literatura começou a perverter a minha realidade” referiu o jovem escritor, explicando de que forma isso se verificou com o seu último livro, As Sereias do Mindelo. O autor foi perseguido na realidade, pelos factos que imaginativamente criou no seu livro. Desde o cancelamento do seu voo para o Mindelo, quando acabara de escrever que a sua personagem não conseguia chegar destino; ao contacto com uma mindelense, que, tal como as sereias da sua obra, não tinha um dos dentes da frente, factos que fizeram convergir a realidade e a imaginação materializada na literatura.

João Manuel Ribeiro, foi chamado à mesa de debate para substituir João de Melo, mas não deixou de analisar com profundidade a relação entre os conceitos em debate. Por um lado, o escritor considera que a literatura “estimula a imaginação por estimular o pensar, o sentir e o dizer”. Por outro lado, concorda que existe um processo de subversão, uma vez que “a literatura elimina a imaginação tornando-a realidade”, assim supera a distância entre o “não-ser” e o “ser”.

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Malangatana foi o último a intervir na discussão, mas mesmo assim, iniciou o discurso dizendo que até ao momento não sabia o que dizer. No entanto, depressa resolveu a situação falando da mentira, da melhor forma: mentindo. O pintor e escritor, contou histórias de mentiras bem contadas, a que chamou “mentiras de verdade” e afirmou que “é preciso mesmo que o pintor minta para poder perverter a sociedade”.

Aberta a normal discussão ao público, a audiência não quis falar, mas antes ouvir por mais um pouco Malangatana. O autor encantou a plateia, recitou poemas, fez-se recitar por Manuel Jorge Marmelo, e com o jovem a que se referiu como “o miúdo”, a dar o ritmo com leves pancadas na mesa de debate, até cantou num dialecto finlandês, parte das suas “mentiras de verdade”.

Foi num clima de festa e descontracção que terminou mais um debate rico em ideias e em boa disposição.

 

 

Por: Isabel da Luz Pereira