Ana Cássia Rebelo fala sobre António Lobo Antunes, sobre como este refere amiúde a sua conversa com George Steiner, quando o pensador o levou a concordar «com o rabinho entre as pernas» como a obra mais conhecida de Emily Brönte seria um livro menor, algo «um pouco histérico». Pois, «do alto da minha irrelevância, permito-me discordar», lançou a autora do recente Ana de Amsterdam (Quetzal; 2015). Mesmo que não se tenha génio, pode-se então ter compostura. Assim terminaria a sua deambulação pela ética e imagem que geram as letras: «ser escritor tem muito sainete», ironizou.

A mesa em questão, Sexta-feira à noite, última noite de actividades destas Correntes d’Escritas de 2015, foi moderada por Henrique Cayatte, que se negou a dizer o título ao longo das entrecortadas intervenções com que foi apresentando os convidados sentados a seu lado. Por respeito à inteligência da audiência, justificou.

 A palavra em que quase todos pegaram, um dos vocábulos que compunham o mote, foi «ruínas»; Bruno Vieira Amaral fez acompanhar o seu texto com diversas imagens, evocando, por exemplo, os fantasmas de W. G. Sebald.

Ruínas, fantasmas, memórias e a sua persistência. Defesas, por vezes. Rui Zink, no seu estilo que confunde tão sagazmente o aparente hilário com a pertinência, alerta: «informo os poetas que nós vivemos num tempo e num espaço concreto, há muitos que não o sabem». O mesmo Rui Zink, autor de A Instalação do Medo, que explicou porque gosta de ser um escritor que desaponta. «Apontar é feio, e é isso que nos estão a fazer hoje em dia, a apontar o dedo».

Pedro Teixeira Neves propõe um périplo por autores, pensamentos, evocações, que desaguam na frase cunhada por Luiza Neto Jorge: o poema ensina a cair.

Mas as ruínas são a parte que não cai. São a parte de nós que resiste e nos recorda os monumentos que fomos, o escombro que alicerça e convida mais altas edificações.

No final, somos cinco junto ao balcão do pequeno bar. Não combinámos, mas quatro queríamos água com gás. Já não há. A efervescência líquida esgotou-se.

Alguém se questiona porque está aqui, diz que nem isso tem lógica. Apetece glosar a frase unanimemente atribuída a Emanuel e dedicada a quem seria São Pedro, mudando o enfoque: «sobre estas ruínas erguerei a minha torre». Mas nem tudo o que apetece acontece.

Ah, antes que me esqueça: no final, Henrique Cayatte encerrou a sessão dizendo o seu título, «Da escrita em ruínas transpiram as intermitências da vida».