Por aqui, a quase totalidade do tempo passa-se com as palavras. As dos outros, as nossas, as que nascerão depois e ainda não sabemos.

Chegado à XIX edição das Correntes D’ Escritas a noite começa com a evocação do mar. Alberto fala-nos de uma terra onde predomina o branco da neve, mas também dos tempos em que o seu quotidiano era passado sobre as águas. Premonitório, porque a neve é feita de água, como cada tempo é feito na forja do anterior. Evoca os 60 dias, uma única visita a terra se a coisas corressem mais que bem. Dois meses para um curso intensivo sobre as ambições, os medos, as esperanças, o traço mais peculiar de cada um exposto à força.

Já ao final da noite, Arménio fala sobre Heitor, sobre Ulisses. E sobre Aquiles, naturalmente. Sobre a honra. E depois sobre a pertinência. A pergunta terá sido mais ou menos “para que servem, os mitos hoje?” ou “quem ainda acredita em mitos, hoje”, Variações sobre a actualidade dos arquétipos humanos, sobre a diferença entre o que sempre seremos e o que não voltaremos a ser; entre o que mudámos e o que não dominamos; entre a imagem que desenhámos e a criatura que ganhou o seu espaço (ou não estivéssemos nos 200 anos de Frankenstein).

“Quem usa ponto e vírgula na frase ou sabe escrever muito bem ou é corajoso”, alertava Inácio Loyola Brandão na sua fantástica conferência de abertura, périplo inteligente e ágil que saltava da memória para a imaginação sem medo da distância nem das alturas. Em trio (apresentado pelo próprio como O Pai, a Filha e o Espírito Santo), Loyola vai entrecruzando as suas histórias com o canto sensual e imponente de Rita Gullo (sua filha) acompanhada pela guitarra de Edson Alves. Cada episódio é medalhado com um tema. A música e os anos da escola (a matriz, meus caros… a matriz…) serviram de mote para invocar a imaginação, explorar a verve, fazer rir e domesticar a melancolia, entrecruzando as linhas do riso e da nostalgia com a rapidez das moças da sua juventude que passaram ao lado de outras vidas (“A solidão, nós costuramos no fundo das nossas agulhas”).

Regresso por instantes a Aquiles, à Mitologia, ao símbolo que o Homem criou para expressar o que e o que lhe está vedado – apenas na vida real, não na imaginação. Na segunda, voamos e saltamos à medida do arrojo. Na primeira, também eu tenho, por vezes, as minhas dores de calcanhar.