Rui Zink iniciou a sessão lendo o poema que serviu de mote a esta mesa “A minha arte é uma espécie de pacto”.

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O mexicano David Toscana foi o primeiro a pronunciar-se sobre o que é isto da arte ser uma espécie de pacto. Falou em espanhol e fez questão de afirmar “Se entenderem é bom, se não entenderem é muito bom”! Assim, Toscana explicou que “Como escritores sabemos que o nosso dever é contar histórias até porque toda a gente escreve histórias, é isso que diferencia os escritores. (…) A alma humana é a matéria de onde se construem as grandes histórias. (…) As palavras têm poder e não são apenas para ser usadas, são para seduzir. (…) Os romances são trágicos, já alguma vez leram um romance em que não morreu alguém? Eu não, em todos há uma morte. (…) Não queremos violência mas escrevemos sobre a violência. (…) Também nós escritores temos este pacto com o diabo”.

Seguiu-se o brasileiro Juva Batella que para se expressar sobre o mote desta mesa reportou para um convite que lhe fizeram há uns anos para participar numa mesa-redonda cujo tema era ‘O autor inédito’. “E por que é que eu estou a falar em autor inédito se o meu desafio hoje, aqui, é ‘A minha arte é uma espécie de pacto’? Então, entregam-nos um verso e dizem: é este o seu tema. Vire-se. E passamos agora eu, o David, o Luís, o Manuel, o Mário, o Ricardo e, de certa forma, também o Rui a ser este verso? O que faço com isso? Perguntas. (…) É possível ou produtivo dizermos o que uma arte é o que quer que seja? E, com o complemento “uma espécie de”, este modo categórico não perderia a força? Uma “espécie de pacto”? O que é uma “espécie de pacto”? É um pacto? É um quase-pacto? Ou seja, é às vezes um pacto, e às vezes não? Ou é um pacto, sim, mas um tipo específico de pacto? E o que é um pacto? É um contrato? Um acordo? (…) Tenho aqui aos meus lados: o grande Juva e o pequeno Juva. O grande Juva, ou Juvão, aqui à minha esquerda gosta de mim, admira-me e já está bastante satisfeito com o facto de eu ter publicado nove livros, ter um romance no prelo, estar a fazer um pós-doutoramento, ter escrito uma meia dúzia de contos e uma meia dúzia de artigos académicos. O pequeno Juva, ou Juvinha, não gosta de mim, é mal-humorado, acha que eu trabalho pouco e me divirto mais do que recomendariam a prudência e a sensatez e acredita firmemente que eu só escrevi nove livros porque calhou, porque no fundo ele acha que eu ainda não escrevi nenhum de verdade, um romance como deve ser. (…) Podemos pensar, por exemplo, na condição do autor inédito, como eu falei no início — no sentido comum, um sujeito que nunca publicou nada e se senta para tentar escrever uma coisa que quer que seja publicada. Ele quer, portanto, deixar de ser o que se chama de “autor inédito” e passar a ser o que se chama de “autor publicado”. (…) Para o pequeno Juva, não. O conceito de autor já contém implícito o qualificativo de inédito. O termo “autor inédito” é, portanto, uma redundância. Se é autor, é inédito, porque a condição de ser inédito é intrínseca ao acto de escrever”.

Luís Represas, cantor e autor lançou um livro infanto-juvenil intitulado ‘A coragem de Tição’ e assumiu que se sentia nesta mesa como uma “peça decorativa” que caiu ali de pára-quedas. Mesmo assim, cumpriu o papel que lhe estava destinado e contou que “Foram muitas as histórias (letras de músicas) que fui escrevendo ao longo do tempo. Cada historia quando passa ao estado alargado, que é um livro, torna-se mais complicada. (…) O pacto que eu fiz com a minha obra foi há muito tempo e diz foi o seguinte: eu não me meto com ela e ela não se mete comigo. (…) Esta liberdade que tem a obra é que a torna num ser vivo. Se é um ser vivo e completamente livre não se pode confiar nele. (…) As ideias que temos levam-nos para um lado mas também nos podem levar para outro completamente diferente. (…) Foi no romper do pacto que a história foi crescendo”.

O jornalista e escritor portuense Manuel Jorge Marmelo já conta com dez visitas ao Correntes d’Escritas e confessou que este tema o deixou com mais dificuldade em aborda-lo do que todos os anteriores que já não eram fáceis. Escreveu um texto que leu e que divertiu os presentes com a história da vizinha dos rés-do-chão que é a única pessoa que o chama de ‘Sr. Escritor’ embora não sinta muita orgulho nisso pois duvida do estado mental da dita senhora. Mesmo após vários livros editados, Manuel Jorge Marmelo expôs que a relação que mantém com a arte dele “não é das melhores”.

“A minha parte é uma espécie de arte”. Foi assim que o cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa abordou numa certa dislexia o tema desta terceira mesa. Lembrou o último livro que lançou em que Jesus ressuscita no corpo de uma mulher e sobre o qual falou com a editora de modo a que esta pudesse cortar algumas passagens do livro antes da publicação, mas ela não deixou. Então, o autor confessou que “As partes que queria cortar são a essência da minha arte, de mim”.

O escritor argentino Ricardo Romero, pela primeira vez em Portugal, fechou esta sessão e rematou “É difícil identificar os momentos em que se fazem pactos”.

 Texto: Alexandra Matos