Ana Daniela Soares, como moderadora, e Inês Pedrosa e Patrícia Reis (Rita Ferro não marcou presença por se encontrar doente) estiveram quase uma hora à conversa com a autora sobre o pertinente tema da “liberdade de expressão”.

A moderadora do debate começou por agradecer o convite para nova presença do programa no certame, confessando ser um “prazer participar na 18ª edição de um dos maiores e mais antigos festivais literários do País”, algo igualmente ressalvado por Karla Suárez, que afirmou estar “muito contente por estar aqui, num espaço onde se pode dizer o que se pensa livremente.”

“Em Cuba não funciona assim, embora agora comece lentamente a mudar. Com apenas um partido e uma maneira de pensar, não há jornais livres nem manifestações públicas, pelo que escrever pode ser fácil, mas publicar torna-se um problema. Ninguém vai dizer «é proibido», mas o livro não sai para o público, por uma variedade de razões, incluindo «falta de papel», por exemplo. E mesmo os livros publicados, facilmente desaparecem das livrarias ao fim de um mês. A obra existe mas não existe”, explicou a escritora cubana.

Inês Pedrosa aprofundou este tema da censura, que “começa na liberdade de pensamento, que muitas vezes não é livre, mesmo sem nos darmos conta desse facto. Até nas democracias avançadas há temas taboo e há falta de debate na sociedade, o que gera um medo generalizado e uma indignação, que nos impede de pensar ainda antes de escrever.”

A autora apontou o caso caricato da famosa obra infantil de J.K. Rowling, Harry Potter, que “ foi banida de certas escolas dos Estados Unidos da América, porque supostamente incentivava a feitiçaria e a prática de religiões estranhas. Todos os governos se preocupam com os livros e aplicam censuras, mesmo as supostas democracias. E as nossas liberdades acabam diminuídas por questões ditas de «segurança nacional», tornando-se cada vez mais frequente o direito ao insulto e o apontar do dedo aos outros.”

Patrícia Reis acrescentou que os “politicamente corretos” são também uma forma de travar a liberdade de expressão: “quando escreves ficção é suposto desenvolveres o teu pensamento sem sinais stop nem preconceitos, sem teres de pensar que podes magoar alguém. Por isso a família funciona igualmente como uma espécie de censura, um fantasma muito grande, que se revê nos personagens e diz «aquele era eu». Escrever é um ofício brutalmente solitário e para o fazermos honestamente tem de haver total liberdade, independentemente de quem possa magoar. É uma total libertação.”

Em completa sintonia, Karla Suárez considerou que “se limitarmos a nossa própria liberdade de expressão, devemos dedicar-nos a outra coisa, porque a escrita é o território da verdadeira liberdade”, aproveitando para dar o exemplo do momento em que escreveu o seu primeiro romance sem sequer pensar em ninguém, “família, amigos, políticos”, pois aquele mundo, da imaginação, era seu.

Sobre o tema do excesso de  informação provocado pelas novas tecnologias e do facto de “as novas gerações nascerem com um telemóvel na mão”, segundo Karla Suárez, as quatro escritoras foram unânimes em afirmar que apesar de estas trazerem imensos benefícios, também acarretam grandes prejuízos à cultura da sociedade, que só podem ser combatidos através da escola e dum ensino de qualidade. A propósito desta “informação congelada e processada”, Patrícia Reis citou Humberto Eco, que dizia estar tudo bem “com o Google e com a wikipédia, mas uma enciclopédia dá sempre muito jeito”.

A concluir, Karla Suárez esclareceu que “a literatura não vai mudar o mundo, mas pode mudar muitas cabeças. Pode pôr as pessoas a pensar. É esse o objetivo”.

Karla Suárez, natural de Havana (Cuba), publicou em Portugal os romances Havana, Ano Zero, A Viajante e Os Rostos do Silêncio. Em 2007, foi selecionada entre os 39 mais importantes autores da nova literatura latino-americana. Depois de Roma e Paris, reside atualmente em Lisboa, onde é coordenadora do clube de literatura do Instituto Cervantes, sendo também professora de Escrita Criativa na Escuela de Escritores de Madrid.

Esta foi a segunda emissão especial do programa da Antena 1, no âmbito do 18º Correntes d´Escritas, depois da entrevista ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que teve lugar ao início da tarde de ontem, no Casino da Póvoa.

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