A obra prima de Paul Gauguin "De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?" lançou as bases para a conversa da sexta Mesa de Debate do Correntes d'Escritas, esta tarde, no Cine-Teatro Garrett.
Bento Baloi, Luísa Sobral, Marta Bernardes, Possidónio Cachapa, Ricardo Fonseca Mota e Sandro William Junqueira foram os autores convidados para esta tentativa de resposta às questões lançadas por esta pintura pós-impressionista.
O moderador Renato Filipe Cardoso deu a palavra a Bento Baloi, que se deu “ao direito de sair um pouco da linha do que está previsto no tema”. Em resposta às perguntas da mesa, o jornalista e escritor moçambicano afirmou que vem de Moçambique, um país “ostracizado pela história secular, enteado da civilização humana, com recursos saqueados e homens e mulheres escravizadas”. Moçambique é um “país de rastos, uma casa sem pão, onde governantes se digladiam pelo poder em busca do seu próprio sol. Eu? Eu choro. O povo chora. O país chora lágrimas de sangue”, concluiu.
Para Possidónio Cachapa, “este quadro é um bom ponto de partida para uma conversa”, pois traça “o ciclo da vida” e uma “visão do mundo e da arte refeitas à imagem do pintor”. O escritor, realizador e argumentista revê-se na vontade expressa na obra de Gauguin “de nos ligarmos com a natureza, algo mais puro e primitivo, longe das máscaras”, indo “mais além para nos vermos a nós próprios”.
Estreante no Correntes d’Escritas, Luísa Sobral confessou que sente que o que diz “é muito mais verdadeiro quando falo na minha língua”. A Literatura é, assim, uma “oportunidade para podermos nascer várias vezes, em vários lugares diferentes e sermos tantas pessoas numa só vida”. Para a cantautora, todas as suas histórias “cabem em três minutos”, mas no seu romance de estreia Nem Todas as Árvores Morrem de Pé “a canção não foi suficiente e transbordou”.
“A súmula de toda a pintura de Gauguin”, nas palavras de Sandro William Junqueira, reflete sobre a possibilidade de “vivermos no Paraíso sem deixar de habitar o Inferno”. Na “esperança de que um dia alguém me identifique como Sandro, português e escritor”, o autor e encenador teorizou sobre o fenómeno dos doppelgänger, “os duplos que não se escolhem” e promovem as “ficções que não dependem de nós”.
Na opinião de Ricardo Fonseca Mota, as perguntas que deram tema ao debate no Cine-Teatro Garrett “raramente são colocadas”, mas sim “variações deste desencontro que temos com o Universo e com os outros”. Como resposta “mais imediata e convicta”, o autor escolheu o silêncio, “de onde vimos, quem somos e para onde vamos”, no final. “O escritor tem a função de ser um guardião das metamorfoses”, para o autor, que sublinhou a “atração, veneração e medo” que o ser humano tem pelo silêncio.
A finalizar a discussão na Mesa 6, Marta Bernardes alertou para “gente com demasiadas certezas”, que, “normalmente, fecha campo para poder explodir”. Com a “pintura como motor para a discussão literária”, a escritora vê este quadro como uma “imagem absolutamente canónica” de um período onde os grandes pintores “foram em busca desta potência primeira que estava muito longe” e contrapôs com a ousadia da pintora portuense Aurélia de Sousa, contemporânea de Gauguin, que “cometeu o crime e heresia que tanto me alegra, pintando-se vestida de Santo António”.
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