Fernando Pinto do Amaral iniciou a discussão e descreveu “a imagem de um país diferente, cuja memória guardo nas imagens, textos, canções e filmes que aprendi a amar”. Não guardando “saudades do Portugal deste quadro, uma época diferente da nossa, de um grau de miséria que, entretanto, ultrapassámos e bem”, o professor, poeta e escritor recorda, no entanto, que “havia alguma esperança no futuro”, visível no “olhar deste jovem casal que Pomar imaginou em 1951”. Essa “convicção de que melhores tempos haveriam de chegar” e a “esperança de que os filhos vivam uma vida melhor que os seus pais” perdeu-se com o tempo, nas palavras do primeiro interveniente desta sessão.

Seguiu-se um “exercício de reflexão sobre o que o menino do retrato de Júlio Pomar poderia estar a querer dizer”, por Filipe Homem Fonseca. Do olhar desta criança com sete décadas de existência, o romancista falou de uma notória “alteração na comunicação entre as pessoas”, aos dias de hoje, numa sociedade onde quem lidera faz passar os demais “por crianças”. Este “processo de infantilização em curso, para lá de Orwelliano”, atribui “significados dissociados dos significantes” e provoca um mundo em que “paz é guerra e guerra é paz”.

Estreante no Correntes d’Escritas, Francisco Mota Saraiva, confesso pessimista, revelou que sairá da Póvoa de Varzim “um pouco mais otimista” por participar ativamente neste “pedaço de cultura e humanidade que se vê pouco”. Quanto ao tema em discussão, o escritor e jurista lembrou o “receio de Júlio Pomar”, que temia tornarmo-nos “alheios, esquecermos os problemas vivos” e procurarmos “soluções formais que se sobreponham ao conteúdo”. Este “lirismo complacente” advém de uma crescente “indisponibilidade para contemplarmos a arte”, assinalou Francisco Mota Saraiva.

“Inspirada” pela “Refeição do Menino”, Lara Moreno contou a historia de Três mulheres na cidade, o seu mais recente romance, apresentado no Correntes d’Escritas, esta sexta-feira. A escritora espanhola entende como vital “contar a história das mulheres depois de tantos anos de silêncio e invisibilidade”. A Literatura é, em sua opinião, “assunto politico, sempre necessário”, porque as “ditaduras sempre desconfiam desta ferramenta indispensável para a empatia e para a consciência”, as derradeiras “armas de transformação e liberdade”.

O escritor Mempo Giardinelli leu o texto “Kilómetro 11”, um clássico argentino de sua autoria, que conta a história de ex-prisioneiros da ditadura e relata a natureza da vingança. Nos olhos do autor, projetam-se “uma imensidão de filmes velhos e impossíveis de esquecer”, o rancor que se torna recordação e “os gritos da tortura que se silenciam com a canção”.

Coube a Nicolau Santos a última intervenção da noite. O jornalista, escritor e poeta enalteceu “a sala lotada” para celebrar o livro e a cultura, um poderoso sinal de que “podemos ter esperança, apesar de o mundo estar muito perigoso”.

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